segunda-feira, 4 de julho de 2011

Reabilitação oral: o mistério do bigode chinês


Retrato, do latim retrahere, que significa copiar, é a representação de uma figura individual ou de um grupo elaborada a partir de um modelo.
A difusão da retratística acompanhou-se dos anseios da corte e da burguesia urbana em projectar as suas imagens, na vida pública e privada. Se, no passado, a pintura era a forma encontrada de retratar pessoas e situações, nestes séculos mais recentes a fotografia veio “substituir” as obras dos grandes artistas.
O principal objectivo da reabilitação oral é a recuperação normal das funções de mastigação, fonação e estética. É deveras interessante o valor que as pessoas passam a dar estes actos, tão inatos e naturais, apenas quando estão perdidos.
As pessoas deixaram de ir ao dentista para tratar dos dentes. Passaram a ir ao dentista para tratar de si. E a Medicina Dentária actual exige o tratamento de um sistema que inclui a face, a gengiva, os lábios, os dentes, os maxilares e vários músculos, ligamentos e articulações.
Reabilitação, enquanto definição, é um processo gradual de restabelecimento das funções perdidas aumentando, assim, a qualidade de vida de cada um de nós. Deste modo, não é fácil (nem correcto) realizar uma reabilitação oral num curto de espaço de tempo.
Cada caso é diferente e merece ser estudado ao mais ínfimo pormenor. Com o objectivo de que, a cada sessão, o paciente fique melhor do que chegou, o diagnóstico e plano de tratamento devem ser bem considerados e desenhados.
Acontece que as consequências de alguém que perdeu os dentes são, para além da reabsorção óssea dos maxilares e das alterações da coordenação muscular e naturais influências negativas na mastigação e na fala, consideráveis modificações na estética facial do indivíduo.  E, com isto, acrescem os factores psicológicos de tristeza em frente ao espelho, insegurança e falta de confiança decorrentes.
Leonardo da Vinci é considerado, por muitos, como o maior génio da história.
Foi pintor, arquitecto, engenheiro, cientista e escultor do Renascimento e são impressionantes os seus estudos em ciências e as criações de engenharia que realizou, que se encontram registadas em cadernos que incluem perto de 13.000 páginas de notas e desenhos que fundem arte e ciência. É raríssimo que a história da cultura ocidental ofereça um tal casamento entre ciência e arte.
Os seus trabalhos artísticos são reconhecidos, onde se incluem obras como A última ceia ou, para citar talvez o mais conhecido,   A Mona Lisa.
Entre diversas teorias, existem algumas que apontam essa obra como um auto-retrato de Leonardo, mas com feições femininas, outras o amante que ele levou consigo para Paris quando foi convidado da corte de François Iér, explicando assim o enigmático sorriso.
No conjunto de retratos elaborados por Leonardo da Vinci, os traços faciais descritos como característicos de quem perde os dentes são notórios. E devemos ter em conta que se tratava de uma época pródiga em perda de dentes, já que ainda não existiam os actuais conhecimentos.
Aliás, os seus reconhecidos trabalhos de Anatomia mostram-nos que a perda de dentes à época era uma realidade e será que se pode, inclusivamente, suspeitar se, no seu último auto-retrato, o próprio não padeceria de tal condição?
Note-se a marcação dos sulcos naso-genianos, a ausência do filtro labial, as comissuras labiais invertidas, os lábios finos, o terço inferior da face diminuído e um prognatismo relativo, embora a barba ajude a disfarçar.
O terço inferior da face, ao longo dos anos e com o aumento da idade, pode ser exposto a diversas modificações. O aumento do laxismo dos músculos deixa marcas na face, origina rugas e afecta a posição da boca.
Esta situação, juntamente com patologias dentárias, nomeadamente desgaste dentário ou perda dos dentes, sobretudo os dentes posteriores, pode originar um decréscimo da altura da face.
Assim, os tecidos em volta da boca afundam, o desenho do lábio desaparece, as rugas acentuam-se e a aparência facial envelhece. Numa linguagem simplificada, a perda de dentes “junta a ponta do queixo à ponta do nariz”.
A restauração da altura facial e dos tecidos moles é um passo fundamental em qualquer pessoa que procura tratamentos de estética do rosto. Apenas a reabilitação oral conduz ao plano correcto a que melhor respondem os requisitos estéticos e funcionais da face.
O mistério do bigode chinês (o acentuar das rugas naso-genianas) é um dos principais motivos de consulta que as pessoas procuram nas clínicas de cirurgia plástica.
Contudo, a medicina dentária e a cirurgia plástica facial não podem ser consideradas especialidades separadas. As exigências multidisciplinares actuais exigem que andem de mãos dadas. Todos os tratamentos de rejuvenescimento facial devem incluir a procura de uma proporção dentária adequada e uma articulação mandibular perfeita.
Apenas o diagnóstico completo é o mais correcto. Antes de se equacionar tratamentos de rejuvenescimento, há que diagnosticar os sintomas e seleccionar as técnicas adequadas para os atenuar.
Ainda não foi hoje que o Sorriso de Mona Lisa se desvendou. Mas Da Vinci mais uma vez nos ensinou: “A pintura deve parecer uma coisa natural vista num grande espelho.” Se, no nosso dia-a-dia, procurarmos elevar o nosso trabalho à arte, a boca e o sorriso natural tornam-se no centro da face e da confiança de todas pessoas.


Fernando Arrobas
Publicado na Revista Moda & Moda . Nº 104 . Verão 2011