domingo, 15 de maio de 2011

Questões pós-aborto

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Esta foi a pergunta feita aos Portugueses em referendo a 11 de Fevereiro 2007. A resposta foi, por maioria, «sim» à despenalização do aborto. Os resultados oficiais contaram com 59,25 por cento dos votos no «sim» e 40,75 por cento no «não» e fora da decisão ficaram 56,39 por cento de eleitores, contribuintes para a abstenção.

Aborto é um conceito lato que implica a interrupção da gravidez, que pode ser espontânea ou provocada.

O debate ético em volta deste tema inicia-se nas questões relacionadas com o princípio da vida: as mulheres têm o direito de interromper voluntariamente a gravidez indesejada? Ou é o estado a proibir? Deve o aborto ser permitido em alguns casos e noutros não? Deve o aborto ser legalizado?

Nas principais linhas de argumentação contra a questão do aborto (qual é a questão do referendo?) vêm o facto de a vida ser inviolável e a vida e o ser humano serem um conjunto. Abortar é assassinar.
Por outro lado, na argumentação a favor da questão do aborto (qual é outra vez a questão do referendo?) julga-se que este deve ser permissível porque a sua proibição leva a consequências indesejadas, a autonomia, o direito moral e a escolha ser respeitada.
Todas são insuficientes, pois a partir de que altura do desenvolvimento embrionário se pode conferir o direito vida de forma completa? Até existir esta resposta, nada será certo.

Ninguém pode afirmar que a liberalização da interrupção voluntária da gravidez constitui uma solução que acarreta consigo mais vantagens do que prejuízos. Mas seria a alavanca do direito penal a única coisa que o impedia?
O “não” alega-se pró-vida, mas o “sim”, só porque é antagónico do “não”, não é propriamente “anti-vida”, é “pró-escolha”.

Mas mais do que tudo as campanhas estão a discutir coisas diferentes: sim à despenalização e não à liberalização. São coisas diferentes. Contra o aborto somos todos.
Ambas as campanhas foram, em certa forma, hipócritas (acho que a pergunta inicial quase ninguém a sabia até se deparar com o boletim de voto no dia do referendo) e a que foi menos foi a que ganhou.


Lembro-me que, por altura das eleições autárquicas em 2005, pós-legislativas, pré-Presidenciais, não se falou uma única vez em aborto. Na América, cada vez que acontecia alguma coisa, George W. Bush falava em Aborto: manobra de distracção.
Eu quero acreditar que, em Portugal, foi antes um grande debate. Mas que ainda não terminou.

A prioridade do nosso país e do nosso Governo tem sido de diminuir drasticamente um défice que tarda em querer atingir níveis considerados admissíveis por todos os economistas e em particular pela União Europeia.

Aos “sacrifícios necessários” já anunciados, e, nesta travagem, na área da Saúde, já se deram todo o tipo de cortes, seguindo-se aí certamente mais medidas económicas.

Ao ter “ganho” o “sim” no referendo do aborto, como lógico, os custos do Serviço Nacional de Saúde aumentaram. O orçamento da saúde é o coberto pelos impostos e constitui o esforço financeiro máximo consentido pela riqueza produzida pelo trabalho dos cidadãos, segundo a política fiscal. Onde se irá buscar então o dinheiro para os custos de aborto?
Há uns anos atrás, um ministro da Saúde Francês chegou a afirmar que o seu Ministério não teria o défice que apresentara no ano anterior se todos os doentes “terminais” assistidos nas UCI (Unidade Cuidados Intensivos) tivessem morrido, oito dias antes, por interrupção dos cuidados. Foi o primeiro sinal de frieza da Economia.

Sem sectarismos, será que a seguir vem mesmo a eutanásia?
A eutanásia “é a morte deliberada e intencional de uma pessoa, a seu pedido, executada por outra pessoa que acolheu o pedido e decidiu dar-lhe satisfação”. Uma prática proibida em Portugal, como se sabe.
Na eutanásia os principais valores em causa são a vida humana. Existe uma grande Argumentação pró-eutanásia: primeiro, porque é a pedido do doente e desde as bases do Principialismo que se deve reger o respeito pela autonomia. Mas até Kant dizia: “a autonomia não pode ser auto destrutiva” e acção médica é o bom controlo dos fármacos, e uma situação deste tipo suscita num profissional de saúde um conflito de deveres entre o dever médico de respeitar a vida e o dever médico de aliviar o sofrimento. O argumento “se a medicina, criou o problema a medicina que o resolva” é fraco, pois os médicos (alguns) são responsáveis por muita coisa, mas não são responsáveis por existirem doenças.

Por seu turno, a argumentação contra eutanásia incide sobretudo no respeito pela vida e proibição de matar. Mas autonomia significa liberdade de escolha e o valor da vida tem de ser entendido em situação.
Todo o sofrimento não pode ser controlado (0 a 20 % continua com dor incontrolável), como tal, argumentar melhores cuidados paliativos, quando Erwing em 1930 já separou o cuidar do curar, levando à desumanização dos cuidados de saúde, também não parece a melhor solução.

Existe, de facto, argumentação contra e a favor da eutanásia e cada uma delas apresenta ainda contra-argumentação, sendo todas elas alicerçadas numa coisa: a aceitação da vida como um bem “auto-disponível” ou não.
De uma coisa, pelo menos até hoje, estamos todos de acordo, o acto de morte não pode ser por simples decisão médica, mas muito menos por simples decisão administrativa. Pois bem, a eutanásia que seja mais um dilema, não mais uma medida económica.