terça-feira, 5 de outubro de 2010

O amor da rectidão. 100(0) anos depois

Tanto se tem escrito e dito sobre a comemoração do centenário da República que não poderia deixar também de dar a minha visão.
Acontece, porém, que não me apetece falar sobre comemorações, nem o estado actual da “causa” pública e muito menos entrar em comparações, de bandeiras defraudadas ao vento, da Monarquia e da República.
Importa-me, antes sim, escrever sobre aquilo que desejo que comece em Portugal, a partir do dia 6 de Outubro de 2010, o que em 100 anos (ou perto de 1000?) pouco aconteceu.

A Polis, de onde vem a palavra Política, é a Cidade. Na medida em que significa a convivência dos Homens, o entendimento entre eles e em cada um deles para todos os problemas que se ponham ao nosso viver no Mundo.

Nos tempos greco-romanos, a Política tinha na nobreza a sua raiz mais profunda: uma arte exercida por cidadãos de elevada craveira moral e com bastantes preocupações de natureza cívica.

Hoje, a política (letra minúscula) é cada vez mais o embuste, a hipocrisia, o fingimento, o oportunismo, a manipulação, o compadrio, a corrupção, a acrobacia, a incompetência, o conflito e a inaptência.
Neste país à beira-mar plantado, vive-se uma anarquia interna em que ninguém se entende, todos os políticos aparecem nas capas de jornais pelas piores razões, sofrendo de escárnio, maldizer e descrédito em cada esquina. E fervilham as injúrias. E voam os desmentidos. E verifica-se uma política infiel aos princípios, onde as questões pessoais estão constantemente na ordem do dia.
Eles próprios também não se devem admirar, uma vez que na sua órbita só se encontra gente meio burlesca e sobretudo mal-intencionada, sempre indiciada em “qualquer coisa”.

Uma pessoa é honesta, não porque os outros sejam honestos ou desonestos, e sim porque é sua natureza sê-lo.

Já dizia Pascal: “A consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta” e sem nunca se ter sequer a atitude da consciência, no nosso Mundo, o interesse pessoal passou para a primeira linha e passou-se a viver na dependência.

A pobreza de espírito e a ambição produzem aviltamentos na dignidade, mas a poucos importa também se vivem, ou não, sem carácter e sem opinião se, enquanto uns vivem com um ordenado impossível de acumular, anda o “País engravatado todo o ano/ e a assoar-se à gravata por engano” (Alexandre O´Neill)

Neste país de “reality shows” (ainda ontem começou mais um programa poluídor de mentes) ainda não se percebeu que importantes (importantes não é sinónimo de conhecidos) não são os que aparecem na televisão, mas sim os que se levantam de noite para irem trabalhar, de forma a porem pão na mesa dos seus filhos, com um ordenado que mal lhes dá para se equilibrarem.

Essas, sobretudo essas pessoas, não merecem o que vêem todos os dias nos noticiários e nos jornais diários. Por essas pessoas, os verdadeiros contribuintes, merece-se a formulação de políticas públicas que privilegiem a responsabilidade com os gastos públicos.
Tem que se repensar claramente o combate ao crime como prioridade, pois esta inércia leva a crer que o crime de “fato e gravata” é natural. Contudo, realizar pesquisas, estudos e acções que contribuam para o combate à corrupção, à promoção da transparência administrativa e à consciencialização ética vem provavelmente nas últimas linhas de programas de governo, planos de actividades de empresas e associações.
                                                       
                                                        

Actualmente, as atitudes dominantes são unicamente a do distanciamento geral, a do seguidismo ou a do facilitismo. O comodismo dá jeito e passou-se a julgar o favor, a protecção e a corrupção como funções naturais e aceitáveis.

Ainda assim, o cinismo e o despudor das práticas de alguns fazem sentir outros mais que suficientes e mais evoluídos e respeitadores. E, sem descrença, são esses que têm de se juntar: os reconhecidamente honestos e com ideias.
Honesto não é sinónimo de ingénuo ou de inadaptado social. É antónimo de “pantomineiro” e isso é que importa.

Alguns desaprendem, quando caem na ignorância e na vileza, mas a maior parte das pessoas pensa que a rectidão é uma virtude que se aprende na infância. O dever cívico, que apregoava António Sérgio.
Não é fácil ensinar alguém a ser recto, mas quando se tem experiência nos valores verdadeiros, é-se o naturalmente.

E desengane-se qualquer um se julga que são as pessoas mais em evidência, que têm um poder enorme sobre as outras e que dizem ser capazes de alterar o mapa da Terra, que contribuem para as grandes mudanças. Esses só as adiam, pois os Grandes não se auto-promovem. São reconhecidos pelos frutos.
E ainda hoje o verdadeiro poder contra a profunda desconsideração para com os gastos públicos está onde sempre esteve e onde nunca ninguém se lembra: na rua.

Mas não! Hoje o que importa é celebrar!
Assim, Portugal não tem seriedade, nem administração, nem economia, nem história.
Em tempos de início de nova campanha eleitoral, ao próximo Presidente da República caberá uma árdua tarefa: a salvação da “coisa” pública, devolvendo Portugal aos Portugueses, não esquecendo que é um país de séculos que quer modernizar-se, mas que quer manter a sua dignidade.

E, para isso, nada há, pois, como ter princípios. O amor da rectidão: não é o meu apelo para mais cem anos de república, é o meu apelo para amanhã.