quarta-feira, 13 de outubro de 2010

V - Passaportes para Budapeste

9:00, dia 2 de Agosto de 2008

Após o nosso mergulho em Bled, provavelmente o mais bonito lago do Mundo, onde mesmo com chuva a temperatura da água está acima dos 24º, voltámos à residência onde, ao princípio do dia, tínhamos deixado as nossas malas.
Já sabendo que a recepcionista abandonava as instalações da pousada perto das 22h, lá esperámos, para um bom banho quente, antes de um jantar com as nossas amigas holandesas, último programa em Ljubljana antes de uma viagem, para a qual, na estação do comboio, nos haviam informado que não era preciso reserva.
Jantámos Fajitas, num restaurante mexicano no centro da cidade e o ambiente manteve-se agradável e terminou com um grande brinde de “Salud y Amor y Amigos y Tiempo para disfrutarlos”. Era hora de partir.

E, então, na pista 6 da Estação de Comboios de Ljubljana apareceu o nosso comboio com destino à nossa próxima paragem: Budapeste.
Despedimo-nos de todos os amigos com um adeus, ainda de porta aberta, com promessas de visitas, nesta vida ou na outra, a todos os países e eles de nos visitarem a nós também. Fecharam-se as portas e era hora de procurar lugar no comboio “sem reserva”.
Qual o nosso espanto quando reparámos que o comboio abarrotava, com excesso de pessoas nos camarotes, sem exagero, com pessoas a dormir no chão que tínhamos de pisar para seguir em frente. Como íamos encontrar ali um lugar e aguentar uma viagem que iria durar perto de 9 horas e meia?
Seguíamos ao longo das carruagens e não apareciam lugares.
Na paragem seguinte algumas pessoas saíram e aproveitámos para nos sentar. Ficámos defronte de umas “amish”, muito simpáticas irlandesas, que sairiam na estação seguinte permitindo assim que os 4 tivéssemos lugar. Assim aconteceu. 40 Minuto de festa à Irlandesa e novos contactos para se um dia for nosso desejo visitar Belfast e encontrar os “raros” trevos de 4 folhas, que nascem nos seus quintais.
Sentados agora os 4, num espaço onde mal cabia cada um de nós, consciencializámo-nos que seria ali que iríamos passar a noite.
Esgotados, adormecemos, com os pés em cima uns dos outros, tentando aproveitar ao máximo cada mm2 que aquela pequena área nos oferecia.
A viagem era tão longa pois iria primeiro a Zagreb, na Croácia, e apenas depois Budapeste, capital da Hungria, ambos os países ainda não pertencentes à União Europeia e, como tal, não livres de circulação.
Durante mais de 6 horas de viagem, entre as 3 e as 9 da manhã, durante a qual o único desejo era dormir de forma a que o tempo passasse mais rápido, fomos acordados mais de 5 vezes, e estivemos parados outras tantas, por responsáveis das companhias ferroviárias para validar os bilhetes de comboio, forças militares croatas e húngaras para verificar passaportes e, inclusivamente, revistar bagagens e compartimentos escondidos no comboio que nem supúnhamos existir. Cinco vezes! Dormir continuamente revelava-se impossível. Cheguei a zangar-me com um destes indivíduos, não me lembro qual o seu pelouro, pois eu não admitia ser mais interrompido no meu já difícil sono. Eles, nenhum deles, eram simpáticos e percebi que o eram mais para quem também não fosse com eles.
Entre essas cinco vezes cheguei a adormecer com o bilhete e o passaporte na mão, disponível a ser levado por qualquer um que por ali passasse e se apercebesse que o meu sono era mais que profundo. Era pedra.

São agora 9:30. Ainda faltam duas horas para chegar a Budapeste. A fome é enorme. A dor de cabeça, com falta de café e pão, faz-me levantar e dar uma volta.
Encontro um camarote vazio com duas camas para me deitar. Vou chamar os meus amigos primeiro. Não me ouvem, dormem profundamente.
Vencidos pelo cansaço, já qualquer lugar serve para recuperarem energias. É bom que Budapeste valha a pena.

Aqui estou, agora já deitado, na cama onde olho a paisagem da Hungria. O camarote não tem cortinas e o sol raia mesmo na minha cara. Que incoerência. Cortinas onde há cadeiras e janelas onde há camas.
Quero dormir um pouco, mas não consigo. Sem livros para ler, escrevo.
Por mim passam várias pessoas, pedindo dinheiro, comida ou algo que os ajude, revelador da pobreza que se vive aqui na Hungria.
Quem me dera ajudá-los a todos, mas, no fundo, aqui e agora, também sou um sem-abrigo, apenas a diferença que visto uma camisa de linho.

Ano Novo, Praxe Nova

Todos os anos, em Setembro, são lançados os resultados do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior.

Após escolhidas as seis opções logo a seguir ao lançamento das notas dos Exames Nacionais, durante perto de dois meses de férias, se espera pela colocação. Finalmente saem e é tempo de mudar de vida e entrar na nova etapa, fundamental para o sucesso e desenvolvimento pessoal, de ser agora adulto e estudante universitário.

Alguns, mais entusiasmados, que ouviram relatos de irmãos mais velhos e amigos, só esperam que o momento chegue. Outros assustam-se com a nova etapa, com a eventual mudança de cidade e dúvidas de integração.
A Praxe Académica é um conjunto amplo de tradições, usos e costumes académicos que se praticam e repetem ao longo dos anos, que tem como objectivo a recepção dos novos alunos à Universidade, integrando-os.

Nos últimos anos, por notícias divulgadas amplamente pela Comunicação Social e por movimentos contra a praxe, esta tem vindo a ser conotada com abusos e situações desagradáveis.

Todavia, não parece correcto tomar o todo universitário nacional pelas partes que confundem os objectivos, e que talvez por isso merecessem ser mais claros e definidos, desta tradição secular. Sem um manual de condutas nobres, que respeite hierarquias, de uma forma verdadeiramente democrática e regulamentada, com direitos e deveres a terem de ser respeitados por todos, faz sentido que ocorram tratamentos desumanos e cruéis, discriminações ou ofensas corporais. Um código de praxe, transmitido de geração em geração, recheado de rituais de iniciação, definição de quem são os doutores (quem tem o poder de praxar) e avisos e advertências oficiais, onde estejam incluídos perdas de privilégios praxísticos em casos de abuso ou situações desagradáveis.
E, não menos importante, quem não concorda com ele, tem o direito a escolher se a ele se submete ou não, tendo noção de que se não é praxado, também não praxará. Em suma, um codece onde se destaque o bom senso e a diversão, acessível a ser lido pelos alunos mais novos, e onde estejam estabelecidos os limites, para que uma simples brincadeira não se venha a tornar num caso de polícia.

Se é verdade que alguns à saída da Universidade choram de saudade e relembram todos os episódios, outros também ficam com sequelas negativas destes momentos. E muito menos aceitável, intolerável mesmo, é que possam existir estudantes pré-universitários com medo de entrar na Universidade por causa de uma eventual praxe que os espera.

Sem querer chover no molhado, é verdade que nem todas as Instituições de Ensino Superior têm mostrado condutas correctas em relação ao espírito da praxe.

Por outro lado, também há aquelas que têm a praxe mais democratizada e instituída. Deveria existir mais trocas de experiências e passagem de informações sobre situações que já deram provas e resultados pois a entrada para a Universidade, momento em que recebemos a nossa primeira boa caneta, é um dos momentos mais importantes e marcantes que se passa na vida.
Como tal, todos deveríamos ouvir, em primeiro lugar: Bem-vindo, novo estudante. É com enorme prazer que te recebemos, de braços abertos, na nossa mui nobre Faculdade.

Publicado na revista Aula Magna
http://www.aulamagna.pt/opiniao/ano-novo-praxe-nova