quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O insucesso do sucesso

Carta ao meu irmão mais novo :



Querido Fernandinho,

Escrevo-te sentado na biblioteca da minha antiga e tua actual Faculdade. Não falamos continuadamente como se tinha tornado hábito faz dias ou semanas. Senti, no entanto, que te devo, a ti especialmente, por toda a perseverança, força e coragem que tens demonstrado, uma explicação para o meu desaparecimento, que relato nesta carta.
Aprendi, cedo motivado das mudanças de escola e de casa e mais tarde por outras razões, que a vida no que diz respeito à amizade é como um funil. O conta-gotas é permanente. Muitos à tona, poucos no final. Desiludir é fácil. Ser desiludido é duro.
Lembro-me que comecei a entender que te estavas a tornar sério e adulto por um dilema qualquer. Ambos éramos de opiniões diferentes, logo cedo começou a discussão. Se no primeiro momento o que contou foi o impacto da sensação, logo em seguida, sucedeu-se a  necessidade da reflexão. Embora pomo de discórdia, reconheci, em segredo, algumas ideias de verdade e de autenticidade associadas à linguagem ágil e inventiva.
Durante uns tempos, colegas, sondámos opiniões e procurámos convencer-nos e solidarizámo-nos. A pouco e pouco, o que à primeira vista tinha parecido uma divergência tinha convergências: observação e sentido crítico da actualidade e vontade de agitar “o nosso Mundo”.
Hoje, digo com toda a certeza que a nossa amizade não é apenas um sentimento de ordem emocional. Foi, sobretudo, trabalho de sageza.
E é por isso que sei que és a pessoa certa para entender o que te vou contar.
Longe de mim ter pensado que, de repente, me iria voltar a apaixonar. Apaixonar é, para as gerações do século XXI, um termo demasiado forte e seguramente utilizado com muita cautela. Quanto a mim, que sabes que penso sempre duas vezes relativamente a tudo o que me é dito, não tenho receio de o utilizar, pois é num sentido amplamente lato de “empolgamento” e “despertar de um interesse” que andava perdido. Não uma situação desesperante e avassaladora da alma, como a imbecilidade de muitos faz querer parecer.
Vivi dias que, venha uma vida e a outra, não irei esquecer. Vi o sol da Primavera nascer no Inverno e li Vinicius de Moraes, como nunca havia feito com ninguém. É claro que depois uma semana de afastamento bastou para o sentimento incontrolável se reduzir para um lume brando e quase apagado.
Por isso desdobro este  universo recôndito e privado das emoções para uma metáfora que gostava que entendesses.
A esperança que depositaste neste ano lectivo rapidamente ficou gorada ao cantar das Janeiras e do dia de Reis. Ficaste desiludido e magoado. Perguntarmos se foi justo ou injusto não trará nada de diferente. Tens de te manter concentrado nos teus exames, independentemente de não vislumbrar o adiamento de um ano para terminares esse curso ingrato.
Ainda há pouco tempo eu também andei nessa mesma Faculdade e conheces a minha história que aí ficou. Mudou a minha vida. Um processo difícil. Assisti a muita coisa que nunca pensei existir. Sofri repercussões, até que chegou um limite, por coincidência, simultâneo com o último crédito que faltava para terminar.
Felizmente, não me faltou, e a ti também não te falta, família, amigos e pessoas com quem podes contar. Verás, aos poucos, que o mais  engraçado é que justamente quanto maior era a fadiga e a desmotivação, maior era a capacidade e a vontade.
Já tens um bom projecto. Marcado pela responsabilidade social e pela vontade de ocupar o espaço público, entendes a educação para a saúde oral como arte para um País melhor e, por isso, tens é apenas de estar orgulhoso e de estar de consciência tranquila com a tua rectidão. E, para lá chegar, ficar desiludido e sofrer faz parte.
Na minha história, eu próprio não entendo como tão rapidamente me deixei envolver e fiquei tão entusiasmado. “Em tudo se deve retirar algum ensinamento”, dirão os mais espertos. Mas, no fundo, achas que eu, com 27 anos, não tinha já aprendido esta lição de não acreditar em rosas de repente e que não sabia que o que fazia era errado? Mas, no meio do desânimo, do marasmo, das vicissitudes e da displicência do dia-a-dia, fez-me sentir vivo e ver novamente que em mim ainda existia afinal algo animado, ingénuo e verdadeiro.
Farto das minha tácticas racionais que me levaram a tantas conquistas demasiado maquinais e alicerçadas em jogos demasiado pensados, desta vez, dediquei-me demais e muito mais cedo do que devia. A isto chama-se o insucesso do sucesso, ou vice-versa.
Actualmente, ao contrário do que era na tua idade, o que mais me atrai já não é só o sorriso ou os olhos e as pernas bem definidas e esguias. É o respeito, a consideração e a falta de egoísmo. E verás que, em todas as esquinas da vida, isso raramente existe. Às vezes, inclusivamente, até dentro de nós próprios.
Na mágoa que se seguiu, eu também, por momentos, perdi a concentração, dormi mal e desesperei na falta de produção na escrita. Contudo, sabes que nós não somos pessoas de cair e não levantar de imediato. O exemplo disso mesmo é que aqui, de novo, escrevo. E, assim, percebi, subitamente, que, tal como tu, não me posso queixar da vida que tenho, mas que nem tudo tem saído perfeito, como quero. Tempo…
Queria que soubesses o que se passou comigo e a razão da minha ausência e talvez pedir-te desculpa se nalgum momento importante e de desespero não estive aí para ti. E a mensagem que te quero deixar nesta semana que terminarás o teu último exame é esta mesma. Seja na vida, no amor ou no trabalho, o nosso prazer deve concentrar-se não no prazer do que já sabemos fazer, mas sim no prazer do que ainda não sabemos fazer bem feito. E, com altos e baixos, continuar a tentar, na esperança de que um dia será perfeito.

Com o mais fraterno dos abraços,
Do teu irmão mais velho
Fernando

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