De Norte a Sul, no Estado, na economia, na moral, o País está desorganizado. Escreveu Eça de Queiroz, nas suas Farpas, não faz assim tanto tempo.
É precisamente na dificuldade e na austeridade que temos de ser criativos e, enquanto uns se afirmam independentes desta pretensa desonestidade dos homens públicos e das instituições diariamente escarnecidas, quando afinal são de todos os partidos em função da circunstância vitoriosa, tu mostras que é nos momentos de dúvida que a consciência do desafio permanente e de confrontarmos os nossos limites é que nos leva ao sucesso.
De ano para ano, de mês para mês, a ruína económica cresce e o desprezo pelas ideias aumenta progressivamente. Pergunta-se o povo se vivemos num momento em que é mais importante o desenvolvimento e o bem do País ou as intrigas ideológicas. Ao invés, tu, em vez de sono, fazes serviços ao bom senso e à competência. Sem medo das críticas dos outros, apontas a dedo, dia por dia, a realidade que observas do mundo que todos vemos, mas que, sem excepção, fingimos não acreditar.
Neste Portugal, em que ninguém quer um trabalho, mas sim um emprego, e que se dá tolerância de ponto ao meio dia da véspera de um fim-de-semana prolongado de quatro dias, os teus funcionários/jogadores trabalham a teu pedido, sempre ao mais alto nível, o tempo que lhes exigires. Eles fazem todos os sacrifícios porque acreditam em ti, que os lideras, e aplicam-se na perspectiva das concretizações vindouras, onde acabam por se ver recompensados.
Neste país em que não se consegue ver televisão, tanta é a desgraça e a insolvência, onde todos estão de pedra e cal na corrupção, ninguém é preso e pede-se conhaque, tu mostras que é possível beber champagne, em média, 3 vezes por ano, e de forma merecida.
A verdade é que todos os dias somos notícia pelo mundo fora, pela negativa, em virtude do nosso comércio que definha, da indústria que enfraquece e do salário que diminui. Em simultâneo, pelo contrário, de ti, que não queres ser cúmplice nesta indiferença universal, todos os dias temos ouvido cantar “melhor Portugal”. Contigo, levamos bandeira e clarim para todo o lado. Nesta jornada da crise económica e política (desde que nasci há 27 anos atrás que julgo que todos os dias ouvi a palavra “crise”), felizmente, não vamos sós afinal.
Exemplo disso mesmo é a recente conferência de imprensa em que falavas da conflitualidade da Taça do “vosso” Rei, como afirmavam os líricos de Barcelona, tão valentemente por ti vencidos. Mesmo sabendo que não existe nenhuma solidariedade entre os nossos concidadãos, orgulhosamente, disseste que eras de um país pequeno, a atravessar graves problemas, mas muito mais unido.
Neste nosso Portugal, em que a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro, também os pseudo-intelectuais gostam prontamente de criticar o ópio que é o futebol. Logo por isso, encheram-se de azedume e cólera os comentários replicados nas páginas da internet que apontavam como indecente a interrupção de uma entrevista de Pedro Santana Lopes para acompanhar a tua chegada a Portugal 3 anos depois da aventura inglesa.
Achas que foi desrespeitoso? No meu entender desrespeitoso é não reconhecermos que muito mais fizeste tu pela imagem do nosso país do que todos esses senhores de viver espiritual e intelectual parado. Faça-se a experiência de te pôr ao lado de um qualquer governante deste país e deixar um conjunto de crianças correr na vossa direcção. Aposto que até o filho desse político te pediria o autógrafo primeiro (e apenas?) a ti.
De quanto em quanto tempo, em Portugal, aparecem indivíduos de extrema qualidade. Várias são as figuras. Desde o Infante D. Henrique ao Engenheiro Edgar Cardoso.
Noutro país qualquer que se queira moderno e civilizado os feitos dos conterrâneos são elogiados, a escola criada é mantida e os discípulos são deixados. “As gerações vêm e vão, mas a Terra mantém-se eternamente firme. O Sol nasce e põe-se e tudo recomeça…” que será perpetuamente na Alemanha e no Japão que os peritos mundiais em química orgânica e tecnologia se encontrarão, respectivamente. Mas desde quando Portugal é uma escola mundial de navegação ou de construção de pontes?
Até nisso já soubeste dar uma lição a Portugal que ainda mingúem retirou. André Villas-Boas, embora agitador e muitas vezes mal criado, com quem finges te dar mal para lhe retirar pressão, é a tua escola. E o primeiro discípulo que deixaste. Pela tua mestria e visão das coisas antes do tempo, por muitos anos, irão portugueses dar cartas no futebol por esse mundo fora. E o futebol é um fenómeno social e de aproximação de povos e culturas muito maior do que muitos julgam ou valorizam.
Sou benfiquista, José. Confesso-te que também fui um dos que, perante a história mal contada pelos jornais, se satisfez por teres saído de treinador do meu clube. Porém, aproximadamente uma década depois, na passada quarta-feira, não hesitei em ver primeiro e muito mais atentamente o Real Madrid - Barcelona do que o Benfica - Porto.
Gostava de te conseguir reproduzir em palavras a festa que fiz junto dos meus amigos com o golo do Cristiano Ronaldo já no prolongamento, mesmo já depois de conhecer o resultado humilhante do meu clube, que supostamente me havia deixado triste e embaraçado.
A globalização, julgo ingenuamente, é isto mesmo. Torcer por quem merece. Esteja em qualquer lugar do Mundo, hoje em dia, a televisão permite torcer por quem faz da luta pela vitória, pelo resultado positivo e por ser o melhor um bem-estar e uma indústria. E esses é que devem ser os exemplos que seguimos. Em tudo.
No passado recente, o meu clube tem-me desiludido. Os pergaminhos de clube com deferência institucional, democrático, natural, espontâneo, humilde e vitorioso, que o meu Pai me ensinou, e em que me revia, estão substituídos por uma cultura com a qual não me identifico. Política de carroçaria e não saber ganhar nem perder que envergonha até as pessoas de bem. Desde a escuridão a que a imagem do Benfica foi submetida ao mundo inteiro, como à auto-ridicularização das palavras a que determinados dirigentes se submetem, cada vez me têm dado vontade de me tornar sócio de um outro clube: sócio do F. C. José Mourinho.
Um clube de sucesso e que o atingiu por ser trabalhador, genuíno, nacional, carismaticamente líder e que defende, de forma intransigente, os seus.
No fundo, não mais do que à imagem do que verdadeiramente são os portugueses. Só precisam de um ligeiro incentivo, que se tem tardado em fazer lograr.
Recebe um abraço de quem gostaria de um dia vir a ter apenas a oportunidade de cumprimentar-te pessoalmente e poder fotografar esse momento para que, um dia, se vier a refazer, em sonho, todo o percurso de vida, me lembrar de que havia, pelo menos, um português que valia a pena.
Obrigado, José Mourinho.
Com as mais cordiais saudações vitoriosas,
Fernando Arrobas da Silva
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