O primeiro (ou o segundo?) princípio de uma Universidade é a busca de conhecimento novo.
O segundo princípio (ou o primeiro?) de uma Universidade é a transmissão do conhecimento, o ensino e a difusão da ciência, da tecnologia, das letras, das artes e a formação de profissionais aptos a trabalhar e que, assim, contribuem para o conhecimento da realidade do País e para o bem-estar dos cidadãos.
Julgo que a dicotomia entre qual é o primeiro e o segundo principio de uma Universidade assenta simplesmente na figura em que estivermos: se somos o estudante ou se somos o professor ou o investigador.
Se formos o estudante o ensino superior serve primariamente a qualificação do cidadão e o primeiro princípio é claramente a busca do conhecimento novo. O caloiro é até visto, nas praxes, como “besta, remeloso, pestilento, desprovido de qualquer tipo de inteligência, mentalmente estéril, etc.”
Mas o professor ou o investigador, por seu turno, qual é o seu primeiro principio?
É importante lembrar que o professor ou investigador já passou pelo tempo de estudante, sendo que o vice-versa não se verifica, necessariamente. No entanto, salvas as excepções, o problema é que muitos professores e investigadores se esquecem que um dia também sentiram na pele as directas do estudo, a antipatia matinal, o serem prejudicados, a falta de oportunidades de observação, a falta do conhecimento que não vem nos livros, etc.
Na altura, deverão ter pensado que nunca seriam assim e que quanto mais cedo um jovem, independentemente de eles não terem conseguido, se pudesse iniciar na pesquisa, melhor. Mas hoje, talvez da proximidade com os laboratórios e com “qualquer coisa mais”, tantos sofreram “mutação”.
É claro que se tem de procurar adoptar as condições ideais e mesmo razoáveis para a estruturação de uma boa Universidade e isso passa necessariamente por políticas de apoio aos cientistas mais activos e dinâmicos e abrindo oportunidades de trabalho aos jovens mais promissores.
Todavia, deve-se formar mais pesquisadores capazes de desenvolver a sua capacidade intelectual com plenitude e com vigor. Deve-se formar mais doutores e profissionais jovens com a imaginação e o entusiasmo característicos da juventude. Deve-se recrutar pessoal discente para a pesquisa, nem que seja só para observar, pois funciona como incitação. E nem nas aulas teóricas há relatos.
As parcas estatísticas não são assintomáticas.
As Universidades não podem ser escolas onde haja só salas, cadeiras e investigação, mas relações entre mestres e discípulos. Não podem ser lugares onde as pessoas vão fazer as suas pesquisas e fabricar os seus currículos, muitas vezes com pouquíssimo interesse pelos jovens que ali entram. Não podem ser os professores com a autoridade, os assistentes com a obediência e os alunos às vezes, injustamente, reprovados.
Um Ensino reformar-se todo ele de repente? Só profundamente. E uma reforma não se faz em três meses, nem em três anos. É muito difícil o Ensino ser bom quando o País não o é.
Não há segredo na constituição de uma boa universidade, não há mistérios indecifráveis. São apenas as condições históricas, políticas e sociais reinantes e o estágio de desenvolvimento a verem-se ao espelho.
Na melhoria das Universidades, tem cada um de olhar ao espelho e gostar daquilo que vê.
Tem de cada um defrontar o Mundo com cada vez mais capacidade de trabalho e não o recurso ao “lado fácil”. Têm de existir recursos e autonomia real de gestão para implementar o mérito, a competência e a vontade de ensinar como princípios.
Mudando as mentalidades chega? Só profundamente. E começa-se pela credibilização das Instituições. O País é melhor com bom Ensino. Thomas Jefferson dizia que a sua glória estava em ter fundado uma Universidade e não em ter sido Presidente dos E.U.A.
Há estudos que dizem que, com o aquecimento global, o planeta estará congelado em 2080. É bom, então, que, rapidamente, se constitua conhecimento novo e a sua transmissão se verifique. Tem mesmo de ser, se não, a longo prazo, de nada adianta estabelecerem-se estruturas uniformes e leis e regimentos e cunhas e regulamentos e comissões e boletins e processos de selecção e esconderem-se apontamentos e programas das disciplinas e horário das aulas e grupos de estudo e falta de entreajuda dos colegas e teses e relatórios e distinção e louvor.
Publicado na revista Aula Magna em 10 Fevereiro 2008
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