“Apetecia-me tomar algo, Ambrósio.” Quem não se lembra do famoso anúncio de televisão a propósito de uns chocolates e uma limusine? Na verdade, a imortalidade desta frase, que marcou uma geração, tem, de facto, uma razão, não obra do acaso.
Crentes na simbologia, a genialidade dos seus criadores terá, por certo, subliminarmente, tido origem na mitologia grega. “Ambrosia” era um alimento com sabor de mel comido pelos deuses que lhes permitia permanecer imortais.
A busca pela imortalidade é tão antiga como a mitologia e a literatura. O conhecido elixir da longa vida, ou da imortalidade, é hoje apoiado por altos preceitos médicos e bioquímicos através da formula química, D2O, em que o “D” da fórmula química representa o deutério, um isótopo do hidrogénio de massa atómica 2, em vez de 1, como é com a àgua (H2OO. Contudo, no passado a sua elaboração era dependente da não menos famosa “pedra filosofal”.
A alquimia era um conjunto de crenças associadas a certas práticas de manipulação de substâncias. O seu objectivo final era a obtenção da pedra filosofal, um misterioso agente que seria capaz transmutar os metais em ouro, curar todas as doenças e inclusivamente conferir a imortalidade.
O alquimista em busca da pedra filosofal, Joseph Wright (1771)
De entre os alquimistas que mais marcaram a história, Paracelso (Einsiedeln, 17 de Dezembro de 1493 — Salzburgo, 24 de Setembro de 1541), influenciou todo o pensamento médico, conceptualizando que, para cada doença, tinha de existir um elixir específico capaz de curá-la. Assim, a missão de cada alquimista era encontrar esses “segredos” da natureza, de origem vegetal, mas também mineral. Os paracelsistas e os médicos iatroquímicos posteriores a Paracelso continuaram a defender os remédios minerais, muitos dos quais, vieram a ser incorporados nas farmacopeias modernas.
No entanto, crê-se que a alquimia tenha tido origem no Antigo Egipto, mas a única certeza é a de que se desenvolveu na China antiga, sob a influência da filosofia taoísta. Também se cultivou no mundo islâmico, de onde chegou à Europa medieval, como se torna evidente na obra de Roger Bacon e também na obra de Arnau de Vilanova, alquimista, astrólogo e medico espanhol, que recomenda, ao Rei de Nápoles, alimentos, banhos, exercícios e remédios alquímicos para prolongar a juventude.
José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no Porto em 1836. Jornalista e escritor português, foi umas principais figuras, junto com Antero de Quental, Eça de Queiroz e Oliveira Martins, entre outros, do movimento académico conhecido pela Geração Coimbrã ou de 70. Dos quatro, foi o que faleceu mais tarde, quando já prefazia 78 anos de idade, quase o dobro da esperança média de vida da época: de entre estes seus contemporâneos, Eça faleceu, em 1900, com 44 anos, Antero de Quental com 48 e Oliveira Martins com 49 anos de idade.
Imaginemos, na actualidade, praticamente dobrar o valor da esperança média de vida que se assenta aproximadamente nos 78 anos, como tinha Ramalho Ortigão. Eça, em biografia que lhe é pedida de Ramalho Ortigão, em carta a Joaquim de Araújo, apronta-se a descrevê-lo como “o verdadeiro tipo de homem moderno, sólido à fadiga, alegre ao trabalho, podendo caminhar quinze milhas, trabalhar doze horas, defender-se bem se o atacarem, sem medo à chuva, nem ao Inferno, crendo em si, querendo por si (...) umas das mais belas organizações que eu conheço: tem a força, tem a bondade, tem a alegria (...) e raras vezes o vejo sem um sorriso.”
É que n’ A Holanda “(…)Horror por horror, prefiro uma árvore pintada a um pente sujo, e antes quero que nos meus pesadelos me apareça uma vaca em cima de um tapete do que uma escova de dentes caída no lixo atrás de uma cómoda.”
Ramalho Ortigão
Qual a origem deste elixir de juventude? Oiçamos alguns dos seus conselhos de vida longa.
"Na epiderme, de cada facto contemporâneo”, de Farpas cravada, num estilo literário que ressuma pitoresco e total actualidade, a educação, a higiene, o exercício, a saúde e a força são os seus cultos: “Ah! Onde estão os tempos em que a beleza era como uma santidade! Em que a vida era a educação e a idealização do corpo! Em que se erguiam estátuas às nudezas maravilhosas!”
É “(...) dever moral, como a oração, o passeio – o largo passeio, de grande respiração, de livre horizonte, bem marchado durante duas horas (...) Como estão sempre constantemente sentadas e aninhadas, os músculos sem exercício afrouxam-se, laxam-se e sempre um grande tédio do espírito coincide com o cansaço do corpo (...) posições débeis e emolientes; cabeça errante, braços emolecidos, corpo abandonado e flácido.” (...) “Todas as mulheres de 14 anos para cima duas horas de valsa por dia. Os movimentos rápidos, galopados, fortemente sacudidos, a transpiração igual, tornam a valsa um exercício radicalmente salutar, quase igual à ginástica: devolve a firmeza do andar, a solidez das articulações, faz girar abundante o sangue, robustece o peito, exercita e excita a facilidade da respiração. É um doce medicamento contra a anemia, a palidez, os suores. (...) Tem-se visto doenças inexplicáveis de mulheres curadas com uma valsa (...) A valsa é moral e educadora: acostuma as mulheres a ter dos homens uma ideia positiva e burguesa.”
“Nas costas de Inglaterra, debaixo de um clima frigidíssimo, um conhecimento perfeito da terapêutica e da higiene leva os habitantes a tomarem banhos de mar em todas as estações do ano e ainda nos maiores rigores do Inverno.” O mar de As Praias de Portugal é “um grande médico, um grande conselheiro, um grande amigo” (…) tanto para “as crianças fraquinhas, para as mulheres débeis, fatigadas”, como para “as grossas constituições linfáticas”.
Numa das poucas vezes em toda a vida que foi ao médico, Ramalho termina: “(…) O doutor, depois de medir a minha tensão arterial e de se inteirar dos diversos sintomas da minha psicastenia, mandou-me sair desde logo de Lisboa e ir fazer uma cura de espírito na oxigenada serenidade da floresta do Tirol ou junto da comunicativa mansidáo dos lagos na Itália ou na Suíça (…) aprender humildemente, na passageira mudança de ares e na suprema e inquebrantável beleza das coisas, a suportar mais docemente os Homens (...) ”
É notável como, quando se lê as obras de Eça de Queiroz ou Ramalho Ortigão, seja nas críticas ou nos hábitos aconselháveis a mudar, e sabendo que tudo foi escrito no século XIX, tanto se mantém contemporâneo e a precisar de rumo. Será que eram demasiado evoluídos ou nós demasiado atrasados? É uma pergunta frequente.
Talvez um pouco dos dois. Mas aqui se viu que juventude eterna não tem idade nem século. É, no espírito crítico e na capacidade de mudança, que está, efectivamente, o elixir…da intemporalidade.
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