A violência doméstica não é propriamente um assunto novo. Já em várias histórias presentes na mitologia grega, muitas são as divindades masculinas do Olimpo que praticavam compulsivamente a violência física e sexual.
A noção de violência como realidade social é tão antiga como a existência histórica do Homem. Desde a sua manifestação em grande escala nos tempos mais remotos, passando pela sanguinária Idade Média, apenas a partir do século XVIII, período de charneira no processo de civilização, de onde são grandes expoentes a Revolução Francesa e a Independência dos EUA, começa-se a ver desaparecer as formas primitivas de violência predominantes, entrando-se nos novos conceitos de liberdade e igualdade dos indivíduos.
Jean Claude Chesnais, ao estudar dois séculos de violência na Europa, mostra que as variáveis fundamentais da significativa diminuição da criminalidade, da delinquência e das mortes violentas no berço do Ocidente foram as lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida e maiores direitos associadas à institucionalização da educação formal e do Estado democrático.
Foi, pois, finalmente com a emergência do Estado moderno e o fortalecimento do seu aparelho, através da polícia e da justiça, associadas ao lento desaparecimento da escassez e da fome que a acompanhava, juntamente com o aumento do nível de instrução decorrente da industrialização e da urbanização, que surge finalmente uma valorização da vida, que explica o abrandamento e humanização de costumes na sociedade ocidental até aos dias de hoje, inclusivamente com a criação, ao longo do século XX, de organizações e declarações de defesa dos direitos dos indivíduos.
A contingência de unir a prevenção da violência doméstica à área da saúde é uma medida actual e que faz todo o sentido no combate a esta “pandemia.”
Embora se encontrem poucos relatos históricos a seu propósito, a relação destas duas poderá não ser recente.
Numa história pouco conhecida, ao longo de séculos considerada por uns como verdadeira e por outros não, encontra-se uma médica vítima de violência doméstica, por em criança querer estudar, que alegadamente chegou a ocupar durante dois anos, desde 853, o cargo mais elevado da Igreja Católica e do Mundo, até ter morrido de parto em 855.
Numa era em que a vida naqueles tempos conturbados era especialmente difícil para as mulheres, em que se acreditava que o sangue menstrual azedava o vinho, arruinava as colheitas, tornava as lâminas rombas, enferrujava o metal e infectava as mordeduras dos cães com um veneno mortal, estas eram sempre tratadas como se fossem menores, sem quaisquer direitos legais ou de propriedade. A lei, inclusivamente, previa que pudessem ser espancadas pelos maridos e a violação era considerada uma forma menor de roubo. Também a educação das mulheres era desencorajada porque uma mulher instruída era considerada não só contra a natureza, como perigosa.
De acordo com o livro de Donna Woolfolk Cross (2000) que relata esta história, corria então o ano de 853 quando o médico do Papa recém-falecido é eleito como o novo Papa em Roma, de seu nome João VIII. O que ninguém sabia é que este novo Papa era uma mulher, de seu nome Joana, que para salvar a vida e conseguir mitigar a sua sede por sabedoria vestiu a pele de um homem e dedicou a sua vida à religião.
Joana/João VIII não é encontrado nos anais da história do Vaticano porque supostamente os registos terão sido apagados. Contudo, ainda são argumentados alguns pontos que parecem provar a existência de uma mulher no trono do Papado, nomeadamente o “exame de cadeira” a que todos os que acediam a esse cargo eram submetidos e que consistia em sentar o eleito numa cadeira semelhante às actuais sanitas e ter os seus órgãos genitais examinados por um prelado, que seguidamente declarava, in magna quantitá, ao povo que o eleito se tratava de um homem, entregando-lhe em seguida as chaves de S. Pedro, um cuidado que não deveria existir se não houvesse antecedentes.
Este exame, parte da consagração papal medieval, durou cerca de 600 anos e começou pouco depois do suposto reinado de Joana. Verdade ou lenda, trata-se de uma descrição com mestria de uma época de obscurantismo e das mais penalizadoras para a mulher.
Sendo um dia o combate à violência doméstica enquadrado num domínio específico da medicina, podia bem a Papisa Joana ser considerada a sua padroeira.
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