domingo, 19 de setembro de 2010

Conversas entre... Eça de Queiroz e Agostinho da Silva

“ – Senhor – disseram – espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?– Economias! – Disse com voz potente o partido reformista.
Espanto geral.
– Bem! e em moral?
– Economias! – Bradou.
– Viva! e em educação?
– Economias! – Roncou.
– Safa! e nas questões de trabalho?
– Economias! – Mugiu.
– Apre! e em questões de jurisprudência?
– Economias! – Rugiu.
– Santo Deus! e em questões de literatura, de arte?
– Economias! – Uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
– Que horas são?
– Economias! – Rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
– De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?
– Economias! – Bravejou.

Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente...
– Economias! – Gania.
Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.
Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender.”


Eça de Queiroz, in Uma Campanha Alegre


Os economistas tinham sobretudo a obrigação de não nos andarem a calcular inflações e a taxa de juro (e essas coisas), mas dizerem de que maneira é que nós podemos fazer avançar a gratuitidade da vida.
Agostinho da Silva

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