domingo, 19 de setembro de 2010

Porquê também de Desporto pode viver a crónica.

Segundo reza a história, “A 16 de Março de 1974, militares do regimento de Infantaria 5, aquartelados nas Caldas da Rainha, insubordinaram-se e avançaram tropas da companhia aerotransportada em direcção a Lisboa. O Governo já estaria previamente avisado desta tentativa de revolução e quando os revoltosos chegaram à capital tinham à sua espera forças dos regimentos de Artilharia 1, de cavalaria 7 e da GNR. Regressaram às Caldas e, de acordo com o comunicado emitido nesse sábado pela Direcção Geral da Secretaria de Estado do Turismo e da Informação, ter-se-ão «rendido sem resistência». Este golpe tem sido apontado como um primeiro ensaio para a Revolução de Abril e serviu de inspiração para uma crónica de um jogo entre o Sporting e o F.C. Porto, realizado no dia 17 de Março.
Numa altura em que a censura passava a pente fino cada artigo a publicar nos jornais, um repórter do jornal A Republica encontrou uma forma de «enganar» os senhores do «lápis azul». Eugénio Alves, assim se chamava o jornalista encarregue da cobertura desse Sporting-F.C. Porto, escreveu uma crónica recheada de metáforas, que deve ter “fintado” os censores e que acabou por ser um grito de esperança numa revolução que não tardaria.
O título da crónica desse encontro era «Quem travará os leões». Mas é no lead da crónica que se encontram as referências encapotadas (?) a esse golpe abortado de 16 de Março. Aqui se transcreve esse parágrafo que não deve ter deixado ninguém indiferente: «Os muitos nortenhos que no fim-de-semana avançaram até Lisboa sonhando com a vitória acabaram desiludidos com a derrota. O adversário da capital, mais bem organizado e apetrechado (sobretudo mais bem informado da sua estratégia), contando ainda com uma assistência fiel, fez abortar os intentos dos homens do Norte. Mas parafraseando o que em tempos dissera um astuto comandante, perdeu-se uma batalha, mas não se perdeu a guerra».” escrevia o site Maisfutebol numa crónica antiga que fiz questão de copiar.

E todos sabemos o que aconteceu a 25 de Abril de 1974.

A vertente político-social dos fundadores dos clubes teve influência na formação destes e o Benfica, o clube do povo e das massas, foi o que teve maior destaque nos tempos ditatoriais.
Desde as bandeiras do Benfica que substituíram as da antiga União Soviética (proibidas) aquando das manifestações populares que se seguiram à vitória aliada na II Guerra Mundial (1945) à proibição dos jornais falarem nos “vermelhos” quando se referiam ao Benfica, passando a denominá-los “encarnados”, até ao silenciamento progressivo do antigo hino do Clube, composto por Félix Bermudes em 1929, denominado “Avante pelo Benfica!”, passando por inaugurações do seu estádio no Campo Grande (cujo nome do estádio era 28 de Maio em homenagem ao Golpe do 28 de Maio, também conhecido pelos seus herdeiros do Estado Novo por Revolução Nacional) a 5 de Outubro, data comemorativa da implantação da República, foram exemplos significativos do seu peso social anti-regime.

Por via das suas vitórias europeias e de ter Eusébio nas suas fileiras foi, para o exterior, a única boa imagem de um País oprimido, silencioso e ofuscado no regime. Foi a alegria de milhares de emigrantes e expatriados. Porque no Benfica já havia democracia quando ela, mais tarde, chegou ao País, com célebres assembleias-gerais e eleições, e nele chegaram a lugares de destaque conhecidas figuras da oposição.
Como Presidentes, estava um operário, tal como foi Manuel da Conceição Afonso ou um aristocrata, como foi Duarte Borges Coutinho, com igual dignidade. No Estádio da Luz, “a boina e garrafão” estavam ao lado do “laço e camisa”.
Tolerância, pluralidade e democracia são valores que nasceram com o Benfica e que continuam a ser praticados. Homens como Espírito Santo, Coluna e Eusébio são ainda exemplos vivos da dimensão desportiva, social e humana deste Clube.

Passados mais de 30 anos, foram muitas as transformações que o futebol sofreu, quer a nível das suas estruturas, quer a nível dos clubes e jogadores.
No fundo, assistiu-se à aplicação do profissionalismo, para o qual contribuiu muito a melhoria das condições financeiras dos clubes, que se preocupam cada vez mais com a sua estrutura, organização, merchandising, direitos televisivos e Guiness book.

Hoje em dia, o jogador é um trabalhador normal, enquanto há uns anos ele fazia parte do clube. Era um adepto. Era quase como um sócio que tinha oportunidade de jogar no clube onde gostava cujos ideais defendia. Agora não. Tal como outro trabalhador que muda de empresa com alguma regularidade, o jogador também muda de clube.

E há Apito Dourado. E há as ofensas. E há os very-lights. E há…E há…E há… E há a consequente desmistificação do desporto.

Muito mudou, mas o Desporto ainda tem o seu maior activo, fruto da sua importância na História: acende o calor humano. E, embora adormecido, ninguém lho tira, como foi provado no Euro 2004. E já se pensa em Mundial.
A História do Desporto fala por si. E por Portugal. Logo, haja respeito.

E, já agora, hoje, mais uma vez, dentro do campo o Benfica ganhou ao Sporting.

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