quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ensino Saudável

Desde o século XIX, quando se inventou a modernidade escolar e pedagógica, mais de cem anos se passaram e, embora admitamos que a escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem, em muitos aspectos a escola ainda vive com retraimento nas fronteiras da modernidade.

Com o Processo de Bolonha e construção do espaço europeu de Ensino Superior, a duração dos cursos e os planos de estudo foram adequados, discutiu-se a estrutura das Instituições, o seu financiamento, as carreiras docentes e esqueceu-se verdadeiramente o que Bolonha tinha de melhor para oferecer, nomeadamente, as reformas de pedagogia e a oportunidade de rever e orientar metodologias e objectivos de ensino e aprendizagem.

Não há segredos na constituição de uma boa escola, não há mistérios indecifráveis. E a manifesta incapacidade que o País tem revelado em concretizar políticas desenhadas num papel de boas intenções, acredito que se devam simplesmente às condições históricas, políticas e sociais reinantes, não mais que o nosso estágio de desenvolvimento a ver-se ao espelho.

Enquanto processo multilateral, porque envolve variados países e parceiros sociais, a realidade de Bolonha tinha como objectivo alterar profundamente o panorama de Ensino Superior, tendo em vista uma maior competitividade internacional, melhoria da empregabilidade e mobilidade dos cidadãos.

O desejo de um País melhor e mais desenvolvido a todos os níveis passa necessariamente pela sua Educação de Qualidade.
Acompanhar a Europa é fundamental, mas aprender e ensinar. Imitamos sempre, mas também temos de nos consciencializar que podemos ensinar e aproveitar ocasiões como esta para mostrar originalidade e carácter para criar um feitio próprio.

Contudo, as conclusões demonstram que esta implementação não passou de um processo burocrático de operação cosmética dos cursos, tendo-se passado ao lado de mais uma oportunidade.
Inclusivamente, em muitas Instituições por esse país fora, das insuficiências normativas dos documentos “Regras de Transição de Bolonha” criaram-se problemas reais, concretos, pungentes e prementes aos quais foi necessário dar respostas, do ponto de vista pedagógico, científico e jurídico simultaneamente.

Sem dúvida que este “passar ao lado” de reformas é também culpa dos alunos que vêem cada vez mais as Faculdades no seu sentido mais imediato de “ciência professada na Universidade”,
Acredito que a sociedade urbana portuguesa, toda em conjunto, é que tem vindo a criar uma geração protegida que dificilmente assume compromissos e sem grandes opções de escolhas de futuro e, talvez por isso mesmo, se sinta permanentemente insatisfeita.

A situação sobrante desta verosimilhança é a criação das Faculdades como um tempo da vida transitório, por vezes associado, por diversas razões, ao desagrado e frustração dos seus discentes.
Ao invés, o tempo que se passa nas Faculdades devia ser antes encarado como um modelo circunstancial de uma parte de nós mesmos, enquanto etapa de crescimento e porção orgânica do que somos. Tempo em que, do princípio ao fim, se procura decifrar um mundo de experiências, esforço e autonomia.
Apelidada como o “ tempo das nossas vidas ”, a Faculdade molda-se na aprendizagem: da profissão que vamos exercer, do que é a vida, de conhecer outros e outras formas de pensar e de conhecermo-nos a nós próprios.

Como tal, a primeira responsabilidade de uma instituição universitária deve de ser o acolhimento e a integração dos seus estudantes e a qualidade da formação que lhes presta.
Impõe-se por isso fornecer a todos os estudantes uma formação humanística e científica de base (no plano internacional, é esta “liberal education” que distingue as melhores universidades e que está na origem da sua reputação e prestígio), implementando uma flexibilidade curricular desde o primeiro ano, repensando o papel das disciplinas de base das Letras, das Ciências e das Artes na formação universitária e igualmente aprofundar a vivência dos campus universitários, consolidando iniciativas culturais, artísticas e desportivas (a título de exemplo, não deveria existir nenhum curso que não contemplasse a actividade física – ex.: natação - uma vez por semana).
De inúmeras formas se podem relacionar as palavras saúde e ensino. Ainda assim, a questão de hoje é quanto tempo mais será preciso para recuperar a "saúde" dos sistemas educativos?
A resposta que procurei dar não é uma conclusão, é apenas uma exortação para reflectir sobre os aspectos da docência e dos processos de ensino e aprendizagem quando o tema é ensino “saudável”.

Toda a mudança vem sempre associada a ambição e a resistência. Ambiciosa porque exige sempre uma séria e exigente avaliação da situação actual, bem como coragem e vontade política para concretizar os projectos e resistente porque se luta muito para que tudo mude ficando tudo igual, característica tão querida das atávicas instituições públicas nacionais.

E, assim, para já, ainda seguimos prisioneiros de um sistema de ensino pensado para formar cada um à medida do lugar profissional que lhe está destinado, em vez de afecto a um conceito de valorização pessoal e de qualificação escolar para todos.
Por cumprir, ainda há um universo de (ir)realizações! E é aqui que devemos encontrar a nossa motivação.

“eu tlim ciências
  tu tlim matemáticas
 ele tlim trabalhos manuais
 nós tlim recreio
 vós tlim senhora
 eles tlim castigo”

Mário Cesariny


Publicado na Revista +SaúdeMagazine em Outubro 2008

IV - Trânsito verde para Bled

16:00, dia 1 de Agosto de 2008

Já há dois dias na Eslovénia, partiremos hoje de madrugada para Budapeste.
Estamos a chegar a Bled, uma vila no interior da Eslovénia, a cerca de uma hora de Ljubjlana, a capital. Estamos no autocarro parados no trânsito, o que nem se pode afirmar como totalmente mau por estes lados, pois permite-nos olhar atentamente, e sem pressa, a paisagem desta “verde” Eslovénia.

Mesmo sem vontade de sair da “cara” Veneza, não perdemos o comboio, e após uma viagem de 4 horas sob um calor intenso, que chegámos a ter dúvidas se aguentaríamos dadas as precárias condições do comboio, chegámos, mesmo sem luz e ar condicionado, a Ljubjlana.
Andámos dois quarteirões com as pesadas mochilas às costas e descobrimos a pousada da juventude onde tínhamos reservado as camas. Eram 2 da manhã e a recepção havia fechado às 22 horas.
Tocávamos à porta, minutos passavam. Gritávamos às janelas, ninguém; o pensamento de ser a primeira noite a dormir na rua era constante e já o entendíamos quase como uma certeza.
Felizmente, fruto de um dos pouco milagres que um cigarro pode fazer, um rapaz inglês veio até cá fora, até à zona de mesas ao ar livre, onde já nos preparávamos para pernoitar, e permitiu a nossa entrada. Sempre seria melhor dormir no lobby da recepção ao invés do relento.
Acabámos por adormecer na sala do pequeno-almoço, cada qual por um canto dessa pequena sala, quase um Hotel Ritz em Nova Iorque, comparado com uns poucos minutos antes. Aí, em cima de mesas e camas feitas com cadeiras, dormimos ainda perto de 5 horas até causarmos, provavelmente, aquele que foi o maior susto da vida de Tina, a recepcionista-camareira-cozinheira, enfim, a polivalente do Hostel, quando abriu a porta chegada ao emprego para calmamente colocar o pequeno-almoço na mesa aos hóspedes que se iam levantando, e encontrou 4 portugueses espalhados, mal tapados e a ressonar.
Explicámos a história e a impecável Tina não só nos deixou tomar o pequeno-almoço, como não pagar essa noite e tratou logo de nos arranjar umas camas para continuarmos como estávamos, embora o nosso maior sonho era acordado: uma cama.

O movimento no Hostel começou e imediatamente conhecemos logo novas pessoas outra vez, aconselhando-nos a ir aqui ou ali.

Após então umas horas de sono, já em camas, levantámo-nos e fomos em busca de Ljubljana, uma cidade da qual trazíamos uma excelente ideia.
E, de facto, revelou-se uma cidade muito bonita. Simples. Clássica em determinados pontos, mais moderna noutros, mas a simplicidade é a sua maior característica.
E a visita da tarde terminou com uma cerveja á beira-rio.

À noite, já no Hostel novamente, a festa foi grande, com alemães, australianas, holandeses, ingleses, holandesas, e terminou perto das 8 da manhã, após a saída para um festival e para a discoteca “Bachus” com o campeão de Surf da Eslovénia, que vestia uma T-shirt, imagine-se, do Algarve.

O check-out no Hostel era as 10h00. Como bons portugueses, levantámo-nos apenas ao meio-dia. Outros hóspedes, oriundos de mais a Norte da Europa, levantaram-se as 10:15 e sentiram-se na obrigação de ficar mais uma noite e pagá-la.
Quais os mais evoluídos ou retardados? Nestas viagens eu acho que os desenrascados são os primeiros.

Agora estamos já mesmo a chegar a Bled, um lago natural no meio das montanhas, onde a paisagem e o mergulho das nossas vidas nos esperam. Só depois pensaremos no jantar.

Na Eslovénia lidámos com os primeiros momentos de pressão da viagem, mas, na Eslovénia também, aprendemos, indubitavelmente, a respirar melhor.