segunda-feira, 23 de maio de 2011

Investiguem-se

O primeiro (ou o segundo?) princípio de uma Universidade é a busca de conhecimento novo.
O segundo princípio (ou o primeiro?) de uma Universidade é a transmissão do conhecimento, o ensino e a difusão da ciência, da tecnologia, das letras, das artes e a formação de profissionais aptos a trabalhar e que, assim, contribuem para o conhecimento da realidade do País e para o bem-estar dos cidadãos.
Julgo que a dicotomia entre qual é o primeiro e o segundo principio de uma Universidade assenta simplesmente na figura em que estivermos: se somos o estudante ou se somos o professor ou o investigador.
Se formos o estudante o ensino superior serve primariamente a qualificação do cidadão e o primeiro princípio é claramente a busca do conhecimento novo. O caloiro é até visto, nas praxes, como “besta, remeloso, pestilento, desprovido de qualquer tipo de inteligência, mentalmente estéril, etc.”
Mas o professor ou o investigador, por seu turno, qual é o seu primeiro principio?
É importante lembrar que o professor ou investigador já passou pelo tempo de estudante, sendo que o vice-versa não se verifica, necessariamente. No entanto, salvas as excepções, o problema é que muitos professores e investigadores se esquecem que um dia também sentiram na pele as directas do estudo, a antipatia matinal, o serem prejudicados, a falta de oportunidades de observação, a falta do conhecimento que não vem nos livros, etc.
Na altura, deverão ter pensado que nunca seriam assim e que quanto mais cedo um jovem, independentemente de eles não terem conseguido, se pudesse iniciar na pesquisa, melhor. Mas hoje, talvez da proximidade com os laboratórios e com “qualquer coisa mais”, tantos sofreram “mutação”.
É claro que se tem de procurar adoptar as condições ideais e mesmo razoáveis para a estruturação de uma boa Universidade e isso passa necessariamente por políticas de apoio aos cientistas mais activos e dinâmicos e abrindo oportunidades de trabalho aos jovens mais promissores.
Todavia, deve-se formar mais pesquisadores capazes de desenvolver a sua capacidade intelectual com plenitude e com vigor. Deve-se formar mais doutores e profissionais jovens com a imaginação e o entusiasmo característicos da juventude. Deve-se recrutar pessoal discente para a pesquisa, nem que seja só para observar, pois funciona como incitação. E nem nas aulas teóricas há relatos.
As parcas estatísticas não são assintomáticas.
As Universidades não podem ser escolas onde haja só salas, cadeiras e investigação, mas relações entre mestres e discípulos. Não podem ser lugares onde as pessoas vão fazer as suas pesquisas e fabricar os seus currículos, muitas vezes com pouquíssimo interesse pelos jovens que ali entram. Não podem ser os professores com a autoridade, os assistentes com a obediência e os alunos às vezes, injustamente, reprovados.
Um Ensino reformar-se todo ele de repente? Só profundamente. E uma reforma não se faz em três meses, nem em três anos. É muito difícil o Ensino ser bom quando o País não o é.
Não há segredo na constituição de uma boa universidade, não há mistérios indecifráveis. São apenas as condições históricas, políticas e sociais reinantes e o estágio de desenvolvimento a verem-se ao espelho.
Na melhoria das Universidades, tem cada um de olhar ao espelho e gostar daquilo que vê.
Tem de cada um defrontar o Mundo com cada vez mais capacidade de trabalho e não o recurso ao “lado fácil”. Têm de existir recursos e autonomia real de gestão para implementar o mérito, a competência e a vontade de ensinar como princípios.
Mudando as mentalidades chega? Só profundamente. E começa-se pela credibilização das Instituições. O País é melhor com bom Ensino. Thomas Jefferson dizia que a sua glória estava em ter fundado uma Universidade e não em ter sido Presidente dos E.U.A.
Há estudos que dizem que, com o aquecimento global, o planeta estará congelado em 2080. É bom, então, que, rapidamente, se constitua conhecimento novo e a sua transmissão se verifique. Tem mesmo de ser, se não, a longo prazo, de nada adianta estabelecerem-se estruturas uniformes e leis e regimentos e cunhas e regulamentos e comissões e boletins e processos de selecção e esconderem-se apontamentos e programas das disciplinas e horário das aulas e grupos de estudo e falta de entreajuda dos colegas e teses e relatórios e distinção e louvor.

Publicado na revista Aula Magna em 10 Fevereiro 2008

Cancro oral: uma outra Torre de Babel

Normalmente, nestas linhas que tanto prazer me dão escrever, se tem falado sobretudo acerca de dentes, cirurgia, estética e tratamentos actuais que os avanços da tecnologia e da medicina permitiram. Hoje, porém, o objectivo central foi outro. Foi o de prevenir e sensibilizar.
Um total de 1,399,790 novos casos de cancro com 564,830 mortes consequentes era esperado nos Estados Unidos no ano de 2006. Desde 1999, o cancro, quando agregado por idade, parece ter ultrapassado a doença cardíaca como a principal causa de morte para idades inferiores a 85 anos. Actualmente, uma em cada 4 mortes é resultado de cancro.
A doença cancerígena é caracterizada por um crescimento descontrolado e ininterrupto de células neoplásicas aberrantes. As células cancerígenas fazem uma invasão destrutiva dos tecidos através de uma extensão para locais à distância por metástases.
(A Torre de Babel, Pieter Brueghel, 1563, um paradigma do crescimento descontrolado)
Entre os homens, o cancro da próstata (o mais prevalente), dos pulmões, dos brônquios, do cólon e do recto somam um total superior a 56 % de todos os novos cancros diagnosticados. Nas mulheres, o cancro da mama continua a ser o mais prevalente.
No ano de 2005, a American Cancer Society relatou aproximadamente 31 000 cancros da cavidade oral e faringe e 7500 mortos devido a esta doença.
Em média, 95 % dos cancros orais são encontrados em doentes com mais de 40 anos e diagnosticados aos 65.
Durante as últimas 5 décadas a taxa de sobrevivência a cinco anos não tem sofrido alterações. Aproximadamente 47 % dos doentes com carcinoma da cavidade oral ou faringe e 44 % na laringe sucumbem à sua patologia 5 anos após o diagnóstico.
O cancro oral inclui uma variedade de neoplasias malignas que poder ocorrer em qualquer localização anatómica da cavidade oral (língua, mucosa, lábio (…)).
O consumo de álcool e tabaco são os factores de risco para o cancro oral mais frequentes no mundo ocidental e outros incluem o estilo de vida e algumas patologias concomitantes como a sífilis ou situações de imunosupressão.
(Crânio com Cigarro, Van Gogh, 1885)
O plano de tratamento oncológico resulta de uma conferência multidisciplinar de várias especialidades médicas e da aprovação do mesmo pelo doente e/ou familiares. Este é baseado no estadio tumoral, obtido através do exame intra-oral, biopsia e estudos radiológicos e da idade do doente. As modalidades de tratamento consistem na quimioterapia, radioterapia e a cirurgia ablativa do tumor.
A ressecção cirúrgica destas lesões malignas no maxilar superior, pela sua extensão, pode provocar comunicações da cavidade oral com as fossas nasais, que podem comprometer a totalidade do palato duro e mole (“céu da boca”). Isto pode originar refluxo de fluidos e voz nasalada, com algum comprometimento do ponto de vista social.
Relativamente aos tumores da mandíbula, a extensão é variável consoante o tumor. Mas mesmo em estadios pouco avançados, a cirurgia na base da língua tem normalmente um impacto negativo na fala e deglutição.
Além disso, ao contrário de outras regiões do corpo, a cabeça não pode ser escondida e, perante defeitos adquiridos, a modelação estética fica inexoravelmente comprometida.
Na doença oncológica os doentes passam por um processo longo e complexo, que os afectam do ponto de vista psicológico, seja pela afectação psico-social e reacção perante a doença diagnosticada ou perante a perda de estruturas anatómicas que vão influenciar a sua vida normal, nomeadamente na fala, na mastigação e na estética.
Em Portugal registam-se cerca de 1500 casos novos de cancro oral por ano (1200 homens e 300 mulheres).
Uma elevada percentagem de casos de cancro oral são diagnosticados no estadio T3/T4 (uma fase tardia e extremamente avançada) pelo que os esforços que têm vindo a ser feitos para a detecção precoce não têm apresentado os resultados desejados.
O médico dentista tem um papel fulcral nesta patologia, tanto no rastreio, como no diagnóstico primário, aconselhamento em relação aos factores de risco e fazer um acompanhamento do doente durante e após o tratamento.
É fundamental que faça a sua consulta regular de 6 em 6 meses e exija que o seu médico dentista/higienista oral realize o seu rastreio de cancro oral.
Sorria para si: observe o lábio superior e inferior, parte exterior e interior, incluindo as gengivas, o interior das bochechas, a garganta e o palato (céu da boca).
Observe também a língua por cima, nos lados e por baixo, incluindo o pavimento da boca. Palpe ainda suavemente a face e o pescoço, na procura de nódulos aumentados.
Não deixe de julgar estranho se, eventualmente, aparecerem tumefacções, alterações de cor e manchas na cavidade oral que se mantenham por mais de 15 dias e consulte imediatamente o seu médico dentista. Ele realizará o seu diagnóstico ou encaminhará para uma unidade especializada.
Como escreveu um dia Benjamin Franklin: "A pessoa pode adiar, mas o tempo não." A eliminação prévia dos factores de risco, como o álcool e o tabaco, e/ou a detecção do cancro oral de uma forma precoce são critérios fundamentais, tendo em vista, por um lado, prevenir e, por outro, diagnosticar o tumor num estadio menos descontrolado e, desse modo, o tratamento poder contribuir para maiores taxas de sobrevivência dos doentes.
Cancro significa caos e desordem. Desordem no viver, no sentir e no pensar. É uma outra Torre de Babel. Seriamente, previna-se.