quarta-feira, 13 de outubro de 2010

V - Passaportes para Budapeste

9:00, dia 2 de Agosto de 2008

Após o nosso mergulho em Bled, provavelmente o mais bonito lago do Mundo, onde mesmo com chuva a temperatura da água está acima dos 24º, voltámos à residência onde, ao princípio do dia, tínhamos deixado as nossas malas.
Já sabendo que a recepcionista abandonava as instalações da pousada perto das 22h, lá esperámos, para um bom banho quente, antes de um jantar com as nossas amigas holandesas, último programa em Ljubljana antes de uma viagem, para a qual, na estação do comboio, nos haviam informado que não era preciso reserva.
Jantámos Fajitas, num restaurante mexicano no centro da cidade e o ambiente manteve-se agradável e terminou com um grande brinde de “Salud y Amor y Amigos y Tiempo para disfrutarlos”. Era hora de partir.

E, então, na pista 6 da Estação de Comboios de Ljubljana apareceu o nosso comboio com destino à nossa próxima paragem: Budapeste.
Despedimo-nos de todos os amigos com um adeus, ainda de porta aberta, com promessas de visitas, nesta vida ou na outra, a todos os países e eles de nos visitarem a nós também. Fecharam-se as portas e era hora de procurar lugar no comboio “sem reserva”.
Qual o nosso espanto quando reparámos que o comboio abarrotava, com excesso de pessoas nos camarotes, sem exagero, com pessoas a dormir no chão que tínhamos de pisar para seguir em frente. Como íamos encontrar ali um lugar e aguentar uma viagem que iria durar perto de 9 horas e meia?
Seguíamos ao longo das carruagens e não apareciam lugares.
Na paragem seguinte algumas pessoas saíram e aproveitámos para nos sentar. Ficámos defronte de umas “amish”, muito simpáticas irlandesas, que sairiam na estação seguinte permitindo assim que os 4 tivéssemos lugar. Assim aconteceu. 40 Minuto de festa à Irlandesa e novos contactos para se um dia for nosso desejo visitar Belfast e encontrar os “raros” trevos de 4 folhas, que nascem nos seus quintais.
Sentados agora os 4, num espaço onde mal cabia cada um de nós, consciencializámo-nos que seria ali que iríamos passar a noite.
Esgotados, adormecemos, com os pés em cima uns dos outros, tentando aproveitar ao máximo cada mm2 que aquela pequena área nos oferecia.
A viagem era tão longa pois iria primeiro a Zagreb, na Croácia, e apenas depois Budapeste, capital da Hungria, ambos os países ainda não pertencentes à União Europeia e, como tal, não livres de circulação.
Durante mais de 6 horas de viagem, entre as 3 e as 9 da manhã, durante a qual o único desejo era dormir de forma a que o tempo passasse mais rápido, fomos acordados mais de 5 vezes, e estivemos parados outras tantas, por responsáveis das companhias ferroviárias para validar os bilhetes de comboio, forças militares croatas e húngaras para verificar passaportes e, inclusivamente, revistar bagagens e compartimentos escondidos no comboio que nem supúnhamos existir. Cinco vezes! Dormir continuamente revelava-se impossível. Cheguei a zangar-me com um destes indivíduos, não me lembro qual o seu pelouro, pois eu não admitia ser mais interrompido no meu já difícil sono. Eles, nenhum deles, eram simpáticos e percebi que o eram mais para quem também não fosse com eles.
Entre essas cinco vezes cheguei a adormecer com o bilhete e o passaporte na mão, disponível a ser levado por qualquer um que por ali passasse e se apercebesse que o meu sono era mais que profundo. Era pedra.

São agora 9:30. Ainda faltam duas horas para chegar a Budapeste. A fome é enorme. A dor de cabeça, com falta de café e pão, faz-me levantar e dar uma volta.
Encontro um camarote vazio com duas camas para me deitar. Vou chamar os meus amigos primeiro. Não me ouvem, dormem profundamente.
Vencidos pelo cansaço, já qualquer lugar serve para recuperarem energias. É bom que Budapeste valha a pena.

Aqui estou, agora já deitado, na cama onde olho a paisagem da Hungria. O camarote não tem cortinas e o sol raia mesmo na minha cara. Que incoerência. Cortinas onde há cadeiras e janelas onde há camas.
Quero dormir um pouco, mas não consigo. Sem livros para ler, escrevo.
Por mim passam várias pessoas, pedindo dinheiro, comida ou algo que os ajude, revelador da pobreza que se vive aqui na Hungria.
Quem me dera ajudá-los a todos, mas, no fundo, aqui e agora, também sou um sem-abrigo, apenas a diferença que visto uma camisa de linho.

Ano Novo, Praxe Nova

Todos os anos, em Setembro, são lançados os resultados do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior.

Após escolhidas as seis opções logo a seguir ao lançamento das notas dos Exames Nacionais, durante perto de dois meses de férias, se espera pela colocação. Finalmente saem e é tempo de mudar de vida e entrar na nova etapa, fundamental para o sucesso e desenvolvimento pessoal, de ser agora adulto e estudante universitário.

Alguns, mais entusiasmados, que ouviram relatos de irmãos mais velhos e amigos, só esperam que o momento chegue. Outros assustam-se com a nova etapa, com a eventual mudança de cidade e dúvidas de integração.
A Praxe Académica é um conjunto amplo de tradições, usos e costumes académicos que se praticam e repetem ao longo dos anos, que tem como objectivo a recepção dos novos alunos à Universidade, integrando-os.

Nos últimos anos, por notícias divulgadas amplamente pela Comunicação Social e por movimentos contra a praxe, esta tem vindo a ser conotada com abusos e situações desagradáveis.

Todavia, não parece correcto tomar o todo universitário nacional pelas partes que confundem os objectivos, e que talvez por isso merecessem ser mais claros e definidos, desta tradição secular. Sem um manual de condutas nobres, que respeite hierarquias, de uma forma verdadeiramente democrática e regulamentada, com direitos e deveres a terem de ser respeitados por todos, faz sentido que ocorram tratamentos desumanos e cruéis, discriminações ou ofensas corporais. Um código de praxe, transmitido de geração em geração, recheado de rituais de iniciação, definição de quem são os doutores (quem tem o poder de praxar) e avisos e advertências oficiais, onde estejam incluídos perdas de privilégios praxísticos em casos de abuso ou situações desagradáveis.
E, não menos importante, quem não concorda com ele, tem o direito a escolher se a ele se submete ou não, tendo noção de que se não é praxado, também não praxará. Em suma, um codece onde se destaque o bom senso e a diversão, acessível a ser lido pelos alunos mais novos, e onde estejam estabelecidos os limites, para que uma simples brincadeira não se venha a tornar num caso de polícia.

Se é verdade que alguns à saída da Universidade choram de saudade e relembram todos os episódios, outros também ficam com sequelas negativas destes momentos. E muito menos aceitável, intolerável mesmo, é que possam existir estudantes pré-universitários com medo de entrar na Universidade por causa de uma eventual praxe que os espera.

Sem querer chover no molhado, é verdade que nem todas as Instituições de Ensino Superior têm mostrado condutas correctas em relação ao espírito da praxe.

Por outro lado, também há aquelas que têm a praxe mais democratizada e instituída. Deveria existir mais trocas de experiências e passagem de informações sobre situações que já deram provas e resultados pois a entrada para a Universidade, momento em que recebemos a nossa primeira boa caneta, é um dos momentos mais importantes e marcantes que se passa na vida.
Como tal, todos deveríamos ouvir, em primeiro lugar: Bem-vindo, novo estudante. É com enorme prazer que te recebemos, de braços abertos, na nossa mui nobre Faculdade.

Publicado na revista Aula Magna
http://www.aulamagna.pt/opiniao/ano-novo-praxe-nova

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ensino Saudável

Desde o século XIX, quando se inventou a modernidade escolar e pedagógica, mais de cem anos se passaram e, embora admitamos que a escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem, em muitos aspectos a escola ainda vive com retraimento nas fronteiras da modernidade.

Com o Processo de Bolonha e construção do espaço europeu de Ensino Superior, a duração dos cursos e os planos de estudo foram adequados, discutiu-se a estrutura das Instituições, o seu financiamento, as carreiras docentes e esqueceu-se verdadeiramente o que Bolonha tinha de melhor para oferecer, nomeadamente, as reformas de pedagogia e a oportunidade de rever e orientar metodologias e objectivos de ensino e aprendizagem.

Não há segredos na constituição de uma boa escola, não há mistérios indecifráveis. E a manifesta incapacidade que o País tem revelado em concretizar políticas desenhadas num papel de boas intenções, acredito que se devam simplesmente às condições históricas, políticas e sociais reinantes, não mais que o nosso estágio de desenvolvimento a ver-se ao espelho.

Enquanto processo multilateral, porque envolve variados países e parceiros sociais, a realidade de Bolonha tinha como objectivo alterar profundamente o panorama de Ensino Superior, tendo em vista uma maior competitividade internacional, melhoria da empregabilidade e mobilidade dos cidadãos.

O desejo de um País melhor e mais desenvolvido a todos os níveis passa necessariamente pela sua Educação de Qualidade.
Acompanhar a Europa é fundamental, mas aprender e ensinar. Imitamos sempre, mas também temos de nos consciencializar que podemos ensinar e aproveitar ocasiões como esta para mostrar originalidade e carácter para criar um feitio próprio.

Contudo, as conclusões demonstram que esta implementação não passou de um processo burocrático de operação cosmética dos cursos, tendo-se passado ao lado de mais uma oportunidade.
Inclusivamente, em muitas Instituições por esse país fora, das insuficiências normativas dos documentos “Regras de Transição de Bolonha” criaram-se problemas reais, concretos, pungentes e prementes aos quais foi necessário dar respostas, do ponto de vista pedagógico, científico e jurídico simultaneamente.

Sem dúvida que este “passar ao lado” de reformas é também culpa dos alunos que vêem cada vez mais as Faculdades no seu sentido mais imediato de “ciência professada na Universidade”,
Acredito que a sociedade urbana portuguesa, toda em conjunto, é que tem vindo a criar uma geração protegida que dificilmente assume compromissos e sem grandes opções de escolhas de futuro e, talvez por isso mesmo, se sinta permanentemente insatisfeita.

A situação sobrante desta verosimilhança é a criação das Faculdades como um tempo da vida transitório, por vezes associado, por diversas razões, ao desagrado e frustração dos seus discentes.
Ao invés, o tempo que se passa nas Faculdades devia ser antes encarado como um modelo circunstancial de uma parte de nós mesmos, enquanto etapa de crescimento e porção orgânica do que somos. Tempo em que, do princípio ao fim, se procura decifrar um mundo de experiências, esforço e autonomia.
Apelidada como o “ tempo das nossas vidas ”, a Faculdade molda-se na aprendizagem: da profissão que vamos exercer, do que é a vida, de conhecer outros e outras formas de pensar e de conhecermo-nos a nós próprios.

Como tal, a primeira responsabilidade de uma instituição universitária deve de ser o acolhimento e a integração dos seus estudantes e a qualidade da formação que lhes presta.
Impõe-se por isso fornecer a todos os estudantes uma formação humanística e científica de base (no plano internacional, é esta “liberal education” que distingue as melhores universidades e que está na origem da sua reputação e prestígio), implementando uma flexibilidade curricular desde o primeiro ano, repensando o papel das disciplinas de base das Letras, das Ciências e das Artes na formação universitária e igualmente aprofundar a vivência dos campus universitários, consolidando iniciativas culturais, artísticas e desportivas (a título de exemplo, não deveria existir nenhum curso que não contemplasse a actividade física – ex.: natação - uma vez por semana).
De inúmeras formas se podem relacionar as palavras saúde e ensino. Ainda assim, a questão de hoje é quanto tempo mais será preciso para recuperar a "saúde" dos sistemas educativos?
A resposta que procurei dar não é uma conclusão, é apenas uma exortação para reflectir sobre os aspectos da docência e dos processos de ensino e aprendizagem quando o tema é ensino “saudável”.

Toda a mudança vem sempre associada a ambição e a resistência. Ambiciosa porque exige sempre uma séria e exigente avaliação da situação actual, bem como coragem e vontade política para concretizar os projectos e resistente porque se luta muito para que tudo mude ficando tudo igual, característica tão querida das atávicas instituições públicas nacionais.

E, assim, para já, ainda seguimos prisioneiros de um sistema de ensino pensado para formar cada um à medida do lugar profissional que lhe está destinado, em vez de afecto a um conceito de valorização pessoal e de qualificação escolar para todos.
Por cumprir, ainda há um universo de (ir)realizações! E é aqui que devemos encontrar a nossa motivação.

“eu tlim ciências
  tu tlim matemáticas
 ele tlim trabalhos manuais
 nós tlim recreio
 vós tlim senhora
 eles tlim castigo”

Mário Cesariny


Publicado na Revista +SaúdeMagazine em Outubro 2008

IV - Trânsito verde para Bled

16:00, dia 1 de Agosto de 2008

Já há dois dias na Eslovénia, partiremos hoje de madrugada para Budapeste.
Estamos a chegar a Bled, uma vila no interior da Eslovénia, a cerca de uma hora de Ljubjlana, a capital. Estamos no autocarro parados no trânsito, o que nem se pode afirmar como totalmente mau por estes lados, pois permite-nos olhar atentamente, e sem pressa, a paisagem desta “verde” Eslovénia.

Mesmo sem vontade de sair da “cara” Veneza, não perdemos o comboio, e após uma viagem de 4 horas sob um calor intenso, que chegámos a ter dúvidas se aguentaríamos dadas as precárias condições do comboio, chegámos, mesmo sem luz e ar condicionado, a Ljubjlana.
Andámos dois quarteirões com as pesadas mochilas às costas e descobrimos a pousada da juventude onde tínhamos reservado as camas. Eram 2 da manhã e a recepção havia fechado às 22 horas.
Tocávamos à porta, minutos passavam. Gritávamos às janelas, ninguém; o pensamento de ser a primeira noite a dormir na rua era constante e já o entendíamos quase como uma certeza.
Felizmente, fruto de um dos pouco milagres que um cigarro pode fazer, um rapaz inglês veio até cá fora, até à zona de mesas ao ar livre, onde já nos preparávamos para pernoitar, e permitiu a nossa entrada. Sempre seria melhor dormir no lobby da recepção ao invés do relento.
Acabámos por adormecer na sala do pequeno-almoço, cada qual por um canto dessa pequena sala, quase um Hotel Ritz em Nova Iorque, comparado com uns poucos minutos antes. Aí, em cima de mesas e camas feitas com cadeiras, dormimos ainda perto de 5 horas até causarmos, provavelmente, aquele que foi o maior susto da vida de Tina, a recepcionista-camareira-cozinheira, enfim, a polivalente do Hostel, quando abriu a porta chegada ao emprego para calmamente colocar o pequeno-almoço na mesa aos hóspedes que se iam levantando, e encontrou 4 portugueses espalhados, mal tapados e a ressonar.
Explicámos a história e a impecável Tina não só nos deixou tomar o pequeno-almoço, como não pagar essa noite e tratou logo de nos arranjar umas camas para continuarmos como estávamos, embora o nosso maior sonho era acordado: uma cama.

O movimento no Hostel começou e imediatamente conhecemos logo novas pessoas outra vez, aconselhando-nos a ir aqui ou ali.

Após então umas horas de sono, já em camas, levantámo-nos e fomos em busca de Ljubljana, uma cidade da qual trazíamos uma excelente ideia.
E, de facto, revelou-se uma cidade muito bonita. Simples. Clássica em determinados pontos, mais moderna noutros, mas a simplicidade é a sua maior característica.
E a visita da tarde terminou com uma cerveja á beira-rio.

À noite, já no Hostel novamente, a festa foi grande, com alemães, australianas, holandeses, ingleses, holandesas, e terminou perto das 8 da manhã, após a saída para um festival e para a discoteca “Bachus” com o campeão de Surf da Eslovénia, que vestia uma T-shirt, imagine-se, do Algarve.

O check-out no Hostel era as 10h00. Como bons portugueses, levantámo-nos apenas ao meio-dia. Outros hóspedes, oriundos de mais a Norte da Europa, levantaram-se as 10:15 e sentiram-se na obrigação de ficar mais uma noite e pagá-la.
Quais os mais evoluídos ou retardados? Nestas viagens eu acho que os desenrascados são os primeiros.

Agora estamos já mesmo a chegar a Bled, um lago natural no meio das montanhas, onde a paisagem e o mergulho das nossas vidas nos esperam. Só depois pensaremos no jantar.

Na Eslovénia lidámos com os primeiros momentos de pressão da viagem, mas, na Eslovénia também, aprendemos, indubitavelmente, a respirar melhor.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O amor da rectidão. 100(0) anos depois

Tanto se tem escrito e dito sobre a comemoração do centenário da República que não poderia deixar também de dar a minha visão.
Acontece, porém, que não me apetece falar sobre comemorações, nem o estado actual da “causa” pública e muito menos entrar em comparações, de bandeiras defraudadas ao vento, da Monarquia e da República.
Importa-me, antes sim, escrever sobre aquilo que desejo que comece em Portugal, a partir do dia 6 de Outubro de 2010, o que em 100 anos (ou perto de 1000?) pouco aconteceu.

A Polis, de onde vem a palavra Política, é a Cidade. Na medida em que significa a convivência dos Homens, o entendimento entre eles e em cada um deles para todos os problemas que se ponham ao nosso viver no Mundo.

Nos tempos greco-romanos, a Política tinha na nobreza a sua raiz mais profunda: uma arte exercida por cidadãos de elevada craveira moral e com bastantes preocupações de natureza cívica.

Hoje, a política (letra minúscula) é cada vez mais o embuste, a hipocrisia, o fingimento, o oportunismo, a manipulação, o compadrio, a corrupção, a acrobacia, a incompetência, o conflito e a inaptência.
Neste país à beira-mar plantado, vive-se uma anarquia interna em que ninguém se entende, todos os políticos aparecem nas capas de jornais pelas piores razões, sofrendo de escárnio, maldizer e descrédito em cada esquina. E fervilham as injúrias. E voam os desmentidos. E verifica-se uma política infiel aos princípios, onde as questões pessoais estão constantemente na ordem do dia.
Eles próprios também não se devem admirar, uma vez que na sua órbita só se encontra gente meio burlesca e sobretudo mal-intencionada, sempre indiciada em “qualquer coisa”.

Uma pessoa é honesta, não porque os outros sejam honestos ou desonestos, e sim porque é sua natureza sê-lo.

Já dizia Pascal: “A consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta” e sem nunca se ter sequer a atitude da consciência, no nosso Mundo, o interesse pessoal passou para a primeira linha e passou-se a viver na dependência.

A pobreza de espírito e a ambição produzem aviltamentos na dignidade, mas a poucos importa também se vivem, ou não, sem carácter e sem opinião se, enquanto uns vivem com um ordenado impossível de acumular, anda o “País engravatado todo o ano/ e a assoar-se à gravata por engano” (Alexandre O´Neill)

Neste país de “reality shows” (ainda ontem começou mais um programa poluídor de mentes) ainda não se percebeu que importantes (importantes não é sinónimo de conhecidos) não são os que aparecem na televisão, mas sim os que se levantam de noite para irem trabalhar, de forma a porem pão na mesa dos seus filhos, com um ordenado que mal lhes dá para se equilibrarem.

Essas, sobretudo essas pessoas, não merecem o que vêem todos os dias nos noticiários e nos jornais diários. Por essas pessoas, os verdadeiros contribuintes, merece-se a formulação de políticas públicas que privilegiem a responsabilidade com os gastos públicos.
Tem que se repensar claramente o combate ao crime como prioridade, pois esta inércia leva a crer que o crime de “fato e gravata” é natural. Contudo, realizar pesquisas, estudos e acções que contribuam para o combate à corrupção, à promoção da transparência administrativa e à consciencialização ética vem provavelmente nas últimas linhas de programas de governo, planos de actividades de empresas e associações.
                                                       
                                                        

Actualmente, as atitudes dominantes são unicamente a do distanciamento geral, a do seguidismo ou a do facilitismo. O comodismo dá jeito e passou-se a julgar o favor, a protecção e a corrupção como funções naturais e aceitáveis.

Ainda assim, o cinismo e o despudor das práticas de alguns fazem sentir outros mais que suficientes e mais evoluídos e respeitadores. E, sem descrença, são esses que têm de se juntar: os reconhecidamente honestos e com ideias.
Honesto não é sinónimo de ingénuo ou de inadaptado social. É antónimo de “pantomineiro” e isso é que importa.

Alguns desaprendem, quando caem na ignorância e na vileza, mas a maior parte das pessoas pensa que a rectidão é uma virtude que se aprende na infância. O dever cívico, que apregoava António Sérgio.
Não é fácil ensinar alguém a ser recto, mas quando se tem experiência nos valores verdadeiros, é-se o naturalmente.

E desengane-se qualquer um se julga que são as pessoas mais em evidência, que têm um poder enorme sobre as outras e que dizem ser capazes de alterar o mapa da Terra, que contribuem para as grandes mudanças. Esses só as adiam, pois os Grandes não se auto-promovem. São reconhecidos pelos frutos.
E ainda hoje o verdadeiro poder contra a profunda desconsideração para com os gastos públicos está onde sempre esteve e onde nunca ninguém se lembra: na rua.

Mas não! Hoje o que importa é celebrar!
Assim, Portugal não tem seriedade, nem administração, nem economia, nem história.
Em tempos de início de nova campanha eleitoral, ao próximo Presidente da República caberá uma árdua tarefa: a salvação da “coisa” pública, devolvendo Portugal aos Portugueses, não esquecendo que é um país de séculos que quer modernizar-se, mas que quer manter a sua dignidade.

E, para isso, nada há, pois, como ter princípios. O amor da rectidão: não é o meu apelo para mais cem anos de república, é o meu apelo para amanhã.

domingo, 3 de outubro de 2010

Conversas entre... Pablo Neruda e Vinicius de Moraes

Soneto de Pablo Neruda dedicado a Vinicius de Moraes

No dejaste deberes sin cumplir;
Tu tarea de amor fue la primera;
Jugaste con el mar como un delfin
Y perteneces a la primavera.

Cuanto pasado para no morir!
Y cada vez la vida que te espera!
Por tí Gabriela supo sonreír
(Me lo dijo mi muerta compañera).

No olvidaré que en esa travesía,
Llevavas de la mano a la alegria
Como tu hermano del país lejano.

Del pasado aprendiste a ser futuro
Y soy más joven porque, en un dia puro,
Yo vi nacer a Orpheu de tu mano.



Pablo


Soneto de Vinicius de Moraes a Pablo Neruda

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor - dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor - o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, Canto Geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

Vinicius

sábado, 2 de outubro de 2010

III - Rinfreschi di Laurea

17:10, dia 30 de Julho de 2008

É uma expressão italiana que significa simplesmente “tomar um refresco”.
Às 21horas partiremos novamente em direcção ao 4º país em dois dias, Eslovénia. E nada como estar em pleno Campo de Santa Margarita em Veneza, cumprindo a tradição italiana, um contraste necessário dado o calor e elevada humidade relativa da cidade.
Chegámos a Veneza no dia 29 de Julho perto das 21 horas.
Descer a escadaria da estação e avistar uma cidade única, da qual apenas tínhamos ouvido falar, conquistou finalmente o sentimento que já procurávamos há uns dias, nas infinitas horas de viagem: a viagem finalmente começara.

- “Que cidade”, estou certo que todos pensávamos, no mesmo momento em que descobríamos o amor à primeira vista.
Seguiu-se a procura do Hotel, que não se revelava fácil, dada a própria arquitectura da cidade. Porém, com bons planeadores e desenrascados na equipa, era certo que seria rápido.
Mas demorámos mais do que pensávamos.
Não pela procura, mas por fazer amizades à janela.
As nossas três primeiras verdadeiras amigas de Inter-rail foram conhecidas à janela. Talvez o nosso ar cansado, ou a T-shirt de Portugal, as tenha chamado à atenção, se bem que para manter a conversa, que mais tarde acabou bem mais tarde, foi certamente pela nossa simpatia.

Aqui em Itália, descobrimos o “Ciao”. O “Ciao”, simplesmente cumprimento em Itália, diferencia-os logo, nesse aspecto para melhor, do nosso país, cheio de virtudes e coisas boas, mas onde as pessoas sé se conhecem se forem apresentadas por alguém. A quantas pessoas levantamos o chapéu e dizemos “Olá” e, sem responder, se vão embora. Aqui diz-se “Ciao”, levanta-se o chapéu, e todos te sorriem, “Ciao” de volta, e só depois se vão embora.

A primeira noite foi engraçada. Para além das amigas da janela, que eram alemãs e argentinas, outros fizemos, especialmente um Franco-Veneziano, que no meio da cidade fantasma nos levou aquele que certamente é o local mais bonito de Veneza: seguir as placas amarelas com letras castanhas “Per Rialto”.

Deitámo-nos por volta das 4h e levantámo-nos por volta das 11, já uma hora atrasados para a entrega da chave.
Estivemos todo o dia a descobrir Veneza. Inexplicável, indescritível, Veneza.

Continuamos aqui no Campo de Santa Margarita, junto à zona Universitária da cidade, à espera do anoitecer, onde as luzes artificiais ainda são acendidas como antigamente.
Assistimos também a uma comemoração universitária de recém-licenciados, típica de Veneza, e comemos fruta fresca.
Aqui esperamos até à hora do comboio.
Veneza, cittá di amore, não é por ser um local ideal para namorar, é pela facilidade que se apaixona por ela.

II - Comboio para Brescia

18:15, dia 29 de Julho 2008

Finalmente um tempo para escrever.
Durante o dia, cada um à sua maneira, e com os seus próprios preparativos, derivados da sua própria personalidade, construiu a sua “casa às costas” e combinámos todos encontrar-nos às 21:30 na estação de comboio em Santa Apolónia.

Seria o último banho numa banheira que já sabemos controlar à nossa maneira a água quente e fria?
Seria o último momento de proximidade com uma máquina de lavar cujos botões sabemos carregar?
Seria a última refeição caseira terminada com banana, queijo e goiabada de sobremesa?
Os medos e a insegurança claro que nos assombravam antes de pôr os pés fora de casa com a promessa de voltar apenas 20 dias depois.

O comboio para Madrid partia então às 22 horas. A sua aparência dava indícios de que a viagem não seria fácil, mas rapidamente as amizades começaram: alemães, canadianos, vikings, chineses. Estávamos todos juntos na busca do Mundo novo que íamos a descoberta.
Imagino-me, porém, um jovem polaco ao mesmo tempo a esta hora, a decidir o itinerário da sua viagem e com dúvidas se viria até Portugal se chegasse até Madrid, visto que 10 horas para fazer 600 km não pode ser aceitável num país que queremos apregoar como desenvolvido.

Durante essas horas, alguns de nós dormimos, outros menos, mas o riso e a boa disposição foram a toada geral, influenciando, ou irritando, um comboio que se revelava monótono.
Chegados a Madrid, fomos procurar aquela, que mais tarde ou mais cedo, será a casa do nosso querido Cristiano Ronaldo, uma das referências a Portugal que mais estamos a espera de ouvir. Esta visita ao Santiago Barnabéu, estádio do colosso Real Madrid, vinha na perspectiva de fazer horas antes do nosso voo low cost até Milão que apenas partia as 14 horas.

Estamos agora perto de Brescia, onde trocaremos de comboio, para ir até Veneza. Em Bérgamo, Milão, fizemos algumas amigas, às quais pedimos informações que como é óbvio conhecíamos, mas que queríamos ouvir das belas bocas italianas, olhando-as nos também belos, e italianos, olhos azuis.
Bérgamo, voltamos qualquer dia. Para já, Veneza.
As expectativas estão altas, mas nestas viagens não há nada como não ter expectativas.

I - Viagens entre linhas

O Tnterrail é um passe, com o qual, se pode viajar de comboio pela Europa.
Mais do que um Interrail, estes textos relatam a viagem que quatro jovens, amigos e antigos colegas de liceu, fizeram de comboio, barco, autocarro e avião.

Findos os exames da Universidade, partiram uma certa noite de Lisboa e, durante 20 dias, com mais do que cinco alterações no roteiro inicial, estiveram em Espanha, França, Itália, Eslovénia, Hungria e Croácia. Visitaram ao todo 7 países, incluído o Vaticano.

Estas linhas relatam a sua viagem. As aventuras e desventuras. O seu roteiro.
As descrições simples que se seguem são um olhar externo de um Mundo ao alcance de todos e que vale a pena descobrir. Conhecer novas culturas e pessoas que, na era do e-mail, são fáceis de voltar a contactar. Tirar fotografias para mais tarde recordar. Olha r imagens em livros e dizer “eu estive aqui” e sentir-lhe o cheiro.

Viajar dá tranquilidade, mas também cedo chegam as saudades de Portugal. E lá fora percebemos que em muitas coisas o nosso país não é assim tão mau.
Viajar nunca é demais. Ir além fronteiras, abrindo a mente.

À ida, o mais difícil é partir. À vinda, o mais difícil é chegar.


Lisboa, 16 de Agosto de 2008.


Estes textos foram escritos numa viagem realizada em 2008 por 4 amigos e que ficaram escritos no diário de viagem de um deles.

Prometido nas secções deste blog que se falaria de viagens, este conjunto de 10 textos que serão divulgados aos poucos são, pois, relatados na melhor forma que se pode viver uma viagem: na primeira pessoa.